nileverino 27/05/2024
Sinto não ter conhecido esse livro antes, mesmo me considerando antenado aos debates queer mais controversos (ora, humanos!), a leitura foi um prazeroso choque de realidade. Carmen não escreveu um livro para mostrar "isso existe! aqui estão as estatísticas!" mas para inserir você em sua história real - usando como artifício a 2º pessoa - a fim de que ela se mostre, e se torne, verdadeira por empatia. Casos de abuso feminino (aqui estendido aos lésbicos, um irônico destino ao quadrado) são "escritos em areia", como diz Brit Mandelo e é brilhantemente lembrado no posfácio. É indispensável, pois, nos agarrarmos a esses relatos vívidos, embora tímidos e inicialmente receosos, para nos ancorarmos como pessoas queers humanas, imperfeitas e sujeitas aos percalços da con(mal)dição humana dentro e fora de nossa própria comunidade.
Céus, o que falar da escrita maravilhosa de Carmen? Com a divisão em "The Dream House as ..." (A Casa Dos Sonhos como...), é possível brincar de boneca, no mundo da fantasia, onde cada acontecimento pode ser esticado ao ridículo. Há momentos interativos em certas partes que buscam brincar com a "obediência" do leitor, e ao mesmo tempo questionar nossas reações equiparadas ou não às de Carmen, em seu contexto de abuso. Agridoce que seja, o que encontra-se não é a traição carnal que seria, portanto, mais tangível; mas o do companheirismo, do implícito pacto queer, consideravelmente mais dolorido.
A Mulher Da Casa Dos Sonhos vem como um alerta a essa estatística invisível e à espreita. Nos urge a olhar friamente (que crie-se coragem) aos nossos lados, mesmo àquele de lençóis mornos da recente ausência em nossas camas. Pede que gritemos (ainda que baixinho, nos ouvidos receptivos) sobre a dor lavanda de amar a ideia de um amor igualitário e ser terrivelmente decepcionado.