aninha 07/02/2022
foi só um sonho
num dos trechos no capítulo livro-jogo, você, carmen, a vítima da mulher da casa dos sonhos, ê leitore, tenta se convencer que os gritos de sua abusadora são só um sonho, e que você deve se lembrar disso ao acordar.
não nomeando a mulher que lhe causou sofrimento, machado reclama para si os momentos em que se sentiu pequena, inútil e não merecedora de amor enquando à merce daquela. a autora transforma seu sofrimento em um aviso com casca de história, e, mais importante, diz para as outras vítimas que isso é sobre elas.
a construção do relacionamento que começa como qualquer comédia romântica, o encontro em um restaurante e a conexão instantânea, diferente de qualquer outra vivida por carmem, é cuidadosamente desfeita em meio a pequenos comentários, brigas aqui e ali, mas nada sério, eu juro. afinal, eu sempre posso terminar, né?
ao entrar na casa dos sonhos e explorar seus cômodos, somos ao mesmo tempo testemunhas e vítima de um relacionamento abusivo queer, os detalhes que o cercam e como o acúmulo de ofensas insignificante cumula, eventualmente, na quebra de qualquer um.
a escrita de machado é impecável e sua ânsia para educar e alertar quem consome sua obra transparente nos menores detalhes. você, vítima de abuso psicológico, físico ou sexual, por parte de um cônjuge, ela lembra, nunca está sozinho. outras pessoas já passaram por isso, e inúmeras outras ainda passarão.
essa é e continua a ser a sua história, ponto final. tranque os cômodos, inunde o quintal, incendeie a casa. acorde desse sonho, e lembre-se dele ao amanhecer.