João Malafaia 19/06/2024Digo com tranquilidade: mudou a minha vidaQue ótima surpresa! Cheguei a esse livro por meio do clube de leitura que participo, sem saber quase nada, além do livro é meio ficção meio autobiográfico sobre uma travesti.
Começando com a escrita: simplesmente perfeita. A autora escreve de um jeito tão lindo, quase como um cântico, na dosagem certa para que as palavras nos guiem facilmente pela história e nos emocionem. A narrativa vai e volta entre o passado e o presente da narradora, contando as experiências de "criança viada" e por tudo que ela passou, até a vida atual, se prostituindo na cidade de Córdoba.
Este livro é um livro de misturas: ao mesmo tempo que a narradora mistura a vida presente com a passada, ela também mistura sua real identidade - como travesti - com a identidade masculina que ainda precisa mostrar em alguns lugares - seja na universidade ou quando volta à casa dos pais.
Mas a mistura mais interessante é uma que nos deixa sem resposta: o que é real e o que é ficção no livro? Para além dos momentos de realismo fantástico, que são excelentes, Villada apresenta-nos a personagens realíssimas, que com certeza cruzaram o seu caminho nos anos que trabalhou no parque. Personagens com nome (o importante), com história, com desejos, com amores, com sonhos, com ódios. Personagens que raramente vemos, seja em livros, seja na vida real, mas que Villarda traz para as páginas como o grande destaque do seu livro.
Este excelente trabalho possui um tom agridoce que o permeia por completo, mostrando bem a vida daquelas que, como a narradora, ganham a vida na madrugada. "Ser travesti é uma festa", mesmo que, enquanto vivas, elas seguem "bordando com lantejoulas as mortalhas de linho"