Camila 12/01/2022Continuamos humanas mesmo no apocalipseSerá que amanhã conseguiremos pagar pelos preços absurdos para que haja água quente em nossos chuveiros? Você viu a mais nova declaração do presidente? E as ruas, cheias de milícia e guaritas clandestinas? Puta merda, não acredito que estou levando um pé na bunda dessa mulher no meio do fim do mundo.
O desenho de colapso que a Natalia Borges Polesso cria em 'A extinção das abelhas' é tão palpável que, se bobearmos, conseguimos encontrá-lo virando a esquina de nossas casas em um dia qualquer.
Escrever e prever o futuro do planeta não é nada novo por si só. Mas a maneira como Natalia coloca no centro o cotidiano de pessoas comuns torna o livro uma possibilidade pouco explorada. Não serão os tanques nem os mísseis que vão nos preocupar no dia a dia, mas a falta de alimentos na quitanda e as abelhas envenenadas e o copywriting muito bem feito para vendermos nossos corpos.
"Não existia emprego pra todo mundo, a pobreza e a miséria tinham chegado à taxa máxima da série histórica e eu era uma mulher de quarenta anos solitária que estava levando um pé na bunda, enquanto para o mundo não fazia a menor diferença como eu me sentia naquele exato momento".
'A extinção das abelhas' é um livro tão atual quanto o próprio dia de hoje e por isso causa medo e calafrios a cada página. Me apaixonei pelo formato de conexão entre capítulos e títulos e que me colocou para pensar em como uma história precisa de carinho para ser contada do jeito certo.
"Podem tá deixando entrar gente, mas sapatão eles não deixam". Apesar do pano de fundo cataclísmico, não deixa de ser uma história sobre as angústias mais humanas de uma mulher sapatão de quarenta anos. Mesmo em meio ao desastre final, ainda é claro como caminhamos em corda-bamba para sermos vistas como gente.
Não à toa Natalia é uma das minhas autoras favoritas desde li 'Amora' pela primeira vez. Assim como a protagonista Regina, eu também estou cansada de ainda morrer tanto. Mas seguimos fortes, por desejo de transformação e porque é tudo que nos resta.