fernandaugusta 19/05/2023Hamnet - @sabe.aquele.livroEste livro não foi nada do que eu esperava, mas muito melhor!
Aqui temos a história de Hamnet, um menino que morreu aos 11 anos em decorrência da peste negra, doença que vitimou milhares de pessoas no século XVI.
Mas a história começa muito antes do nascimento de Hamnet, e nos mostra uma moça do campo, considerada esquisita pela vizinhança por sua forte conexão com a floresta, suas habilidades incomuns com plantas e seu olhar desconcertante. Esta moça se chama Agnes, e seu encanto recai sobre um jovem tutor de latim, que vem a sua casa ensinar seus irmãos.
O tutor é filho de um luveiro, e sonha em sair de perto do pai violento, que quer que ele se dedique ao feitio de luvas, coisa que ele não pode nem conceber. Logo o jovem e Agnes estão envolvidos, contra as famílias de ambos, e a jovem, vendo que não conseguirão se casar com facilidade, engravida.
O casamento do feliz casal é feito às pressas, e eles vão morar ao lado dos pais do tutor, em um arranjo que o desagrada muito. Agnes continua com suas idas à floresta e seus hábitos esquisitos, e dá a luz a uma menina, Suzanna. Logo está grávida novamente, e nesta gestação, de parto trabalhoso, nascem Hamnet e Judith, gêmeos que compartilham uma forte conexão.
O marido, frustrado, acaba em Londres, visitando ocasionalmente a família em Stratford, até que a tragédia em forma de doença e morte se abate sobre o menino.
Toda esta história de uma família é aparentemente comum, mas sabemos desde o início que Hamnet é o filho do dramaturgo William Shakespeare e que sua famosa peça, Hamlet, é uma narração que se inspirou na morte do menino Hamnet e do difícil luto que marcou a família.
Mas este livro não se trata de Shakespeare, seu nome e sobrenome não são mencionados nem uma única vez na narrativa, que tem seu foco em uma heroína improvável, mal retratada pelos anais da história - sua esposa Agnes. Na visão de Maggie O'Farrel, a apagada esposa ganha um brilho exótico e sobrenatural, uma personalidade forte, uma visão ampla do espírito de seu misterioso marido. Ela é quem tece a trama da história que o leva a Londres, ela quem dá as cartas.
Até a morte do filho. A doença de Judith, a frágil gêmea de Hamnet, que concentra a atenção da mãe, até que ela se vê impotente para parar o avanço no filho, que sempre foi robusto e forte. A morte de Hamnet, o luto desta mãe é uma das coisas mais cruas que já li. Se ler sobre a perda de um filho me causou tanta emoção, não consigo conceber passar por esta tragédia. A autora consegue nos enredar na dor pura de Agnes e nos fazer odiar seu marido, sempre ausente.
E ao final faremos a travessia, pelos olhos de Agnes, para o surgimento de "Hamlet", para seu ultraje à memória do filho - arrematado por um bonito momento de redenção onde conseguimos entender os motivos de seu marido para sua criação imemorial.
Eu amei este livro! Achei uma perfeição, tirar o protagonismo de Shakespeare e colocá-lo em Agnes. Uma ousadia, um respiro bem vindo para a história tão conhecida, que o retrata sempre como um bon vivant em Londres, cercado de mulheres, sua esposa apenas uma nota de rodapé mal acabada. Fora tantos detalhes de uma escrita esmerada, mas em nenhum momento tediosa, com personagens carismáticos e mudanças de foco incríveis, como a viagem da pulga de Alexandria até o interior da Inglaterra, um inseto e suas descendentes causando uma das pandemias mais famosas da história.
Um romance histórico incrível, de leitura muito fluida e narração visceral.