Sabrina758 03/12/2022
É engraçado pensar na minha jornada com esse livro, porque eu comecei detestando tanto e terminei com uma nostalgia precoce, já sentindo falta das personagens e a relação deles. Penso que essa é uma das razões da Sally Rooney ser uma autora que divide opiniões, porque as histórias nunca são fáceis de digerir e ela tem um poder que não encontrei em nenhum outro, de escrever personagens odiáveis e amáveis na mesma proporção.
Não foi diferente aqui, acompanhando Alice, Eileen, Simon e Felix. Em tantos momentos meus sentimentos por eles mudavam em questão de segundos. Acho que essa é a genialidade da Sally, de escancarar a realidade, as contradições e hipocrisias que são tão humanas.
Alice, uma romancista famosa que não lida muito bem com a fama, recém recuperada de um colapso mental, procura refúgio no interior na tentativa de se distanciar do mundo. Alice, como a maioria das personagens femininas da Rooney, é uma pessoa complicada e com muitas camadas. É inteligente e talentosa em muitos aspectos, ao mesmo tempo que suas habilidades sociais são quase inexistentes. A relação com os pais é, basicamente, por obrigação. Foi negligenciada na infância e na vida adulta tem o mínimo contato possível com eles.
É difícil para ela conversar sem acabar virando um monólogo ou uma discussão. Apesar de ter o reconhecimento, tanto de público quanto financeiro, não se sente merecedora do que tem. Ao trocar e-mails com sua melhor amiga, Eileen, isso fica bastante claro. Elas conversam sobre diversas coisas e situações da vida, indo de política, mudança climática, capitalismo, colapso da civilização, religião às coisas mais banais do cotidiano de cada uma.
No tinder ela acaba conhecendo Felix, que mora nessa cidade que ela recém chegou. Felix é um homem com um passado complicado, que reflete muito na forma como ele se relaciona. Primeiro, ele é bem direto e sem filtro. Diferentemente de Alice, é muito sociável, mas tem um complexo de inferioridade que é notório ao longo do relacionamento com ela, por se sentir abaixo dela.
Órfão, tem uma péssima relação com o único irmão, trabalha num emprego monótono em uma distribuidora, não tem dinheiro, não estudou e não se considera bom em muita coisa, o que faz com que ele se compare a Alice o tempo todo. Não só isso, acaba sendo maldoso com ela por não conseguir lidar com essas diferenças gritantes entre os dois. E Alice, aquela que coleciona paixões trágicas, acaba se submetendo, pois não sabe ser amada de outra forma.
Eileen, amiga de longa data de Alice, é uma das personagens mais complexas e talvez seja isso o que me atraiu tanto. Publicitária, trabalha em uma revista financiada, tem uma relação complicadíssima com a família, se sente solitária e nesse limbo da idade x expectativas de realizar algo grande ou estar estabelecida na vida aos 30. Eileen é, igualmente, muito inteligente, e apresenta uma melancolia que é relatada desde a sua infância. Sempre muito à deriva, aos 15 anos se aproximou de Simon, vizinho que a conhecia desde seu nascimento. Mesmo sem saber, a amizade e atenção que deu a Eileen, salvou a vida dela.
Eileen carrega marcas de uma vida se sentindo de fora, rejeitada e sem amor. Refletindo sobre seu término com o último namorado, ao mesmo tempo que busca a segurança de uma paixão antiga, que é Simon, alguma coisa para se agarrar à vida, para sentir que pertence. Entretanto, a importância que ele tem em sua vida, como amigo, a faz questionar se vale a pena investir em um compromisso, por medo de não dar certo e acabar perdendo alguém importante.
Simon, por outro lado, é um homem 5 anos mais velho que Eileen e Alice. Devido a um problema de saúde na infância e adolescência, em que ele sofria convulsões, foi tratado com cuidado e como se fosse muito especial por parte de seus pais. Cresceu sentindo que deveria ser gentil, algo que sempre ouviu ao se referirem a ele. Simon trabalha com política, é estável financeiramente e muito religioso. Sempre amou Eileen, mas nunca soube se relacionar com ela. Procura em outras mulheres jovens aquilo que gostaria de ter com a mesma. Tem uma relação esquisita com seus pais, pois apesar de se amarem muito, não conseguem se entender. Por conta da idade, dele também é esperado que construa uma família.
Entre os quatro, o Simon é o que menos me conectei. Me dava uma sensação estranha a forma como ele se relaciona com a Eileen, ele tinha a necessidade de que ela precisasse dele, ser cuidada por ele, de uma forma que acaba sendo estranho. E, justamente pela carência afetiva que tinha, Eileen também cede a esse cuidado. Eu acreditei no amor deles, mas me dava uma sensação estranha o fato de se conhecerem desde a infância com a diferença de 5 anos entre eles.
Partindo para as minhas considerações sobre o que mais e menos gostei do livro, acredito que a melhor coisa aqui é, de fato, a amizade e os desdobramentos do relacionamento entre eles. O amor e admiração que Alice e Eileen tem uma pela outra, a importância que tem na vida uma da outra e a forma como elas compartilhavam isso com os parceiros, foi muito incrível.
A evolução do relacionamento entre Alice e Felix também foi algo que me agradou. Começa tão turbulento e com tantas mágoas, até que eles começam a se entender e criar o próprio mundinho, onde podem ter uma boa troca da forma como sabem dar e receber afeto, de pessoas que carregam marcas e cicatrizes. A forma como Alice e Eileen tentavam aproveitar cada mínimo detalhe e a simplicidade das coisas boas em viver, me lembrou de valorizar esses momentos na minha própria vida.
O que menos gostei, mas comecei a tolerar com o tempo, foram os e-mails trocados pelas protagonistas. Muitas vezes tive a sensação de estar lendo uma coleção de ensaios filosóficos ou políticos, e me questionava se pessoas em seus 29 anos teriam aqueles diálogos. Por conta disso, a leitura ficou mais arrastada para mim e eu quase cogitei abandonar. Passando da metade do livro, comecei a me conectar de uma forma surreal com as personagens, e os e-mails passaram a ser só mais uma parte do que compõe a narrativa. Os que discutiam sobre viver, amor e religião foram, sem dúvidas, os meus favoritos. Amei as reflexões, mesmo que no início tenha sido difícil de engatar. Recomendo muito! Independente de amar ou odiar, os livros da Sally sempre me marcam em vários aspectos.