Amanda 07/08/2023Chorei... e mais que isso, até.Algumas histórias são imperfeitas, sofrem de altos e baixos, mas se enraizam profundamente, transformam o leitor e contam coisas que, mesmo que já soubéssemos, ressoam de uma forma diferente, pessoal, íntima. É o caso desta tetralogia A Passa-Espelhos.
Vi tantos resenhas frustradas e inconformadas que me assustei a princípio. Passei por todo o quarto livro temendo o fatídico "final horroroso" de que tanto reclamaram, e ainda bem que resisti ao impulso de não ler spoilers, porque teria estragado completamente a minha experiência e a minha visão sobre a conclusão da saga de Ophélie e Thorn.
Sim, o final é aberto. Sim, não é cor-de-rosa, com epílogo "viveram felizes para sempre". Mas vamos lá: essa nunca foi a proposta da Christelle Dabos.
Retomando um pouco, até aqui tantas coisas importantíssimas aconteceram nesse mundo fraturado e misterioso! Ophélie passou de "cara de pardal" a uma mulher destemida e decidida a brigar com o mundo inteiro, se necessário, para ser ouvida, para ser independente e para ser amada; Thorn, por sua vez, entendeu que até sua genialidade tem limites e que a vida precisa ser compartilhada e experimentada, mesmo que se expor possa doer, porque por algumas pessoas vale a pena. A evolução dos dois personagens, tanto individualmente quanto enquanto casal, foi belíssima, orgânica e emocionante.
Não apenas no que diz respeito aos personagens, mas toda a trama evoluiu exponencialmente. Desde "A Memória de Babel", terceiro livro, a autora já havia subindo o tom nas metáforas, nas críticas, alertando para uma história que ia ganhando contornos muito graves e muito maiores que os dois protagonistas. Se até o terceiro livro nos foi dada a ideia de que o mistério sobre o livro dos Espíritos Familiares e a identidade de Deus, bem como seu objetivo, eram a chave da questão, no quarto livro a autora nos afoga nesse mar de nuvens complexo, cheio de respostas e questionamentos filosóficos.
Em "A Tempestade de Ecos", a história parece ter saído do controle de Dabos, mas no bom sentido: começou a caminhar por conta própria, tornou-se enorme, impactante e muito séria. A única coisa que se manteve completamente sob domínio foi a bela condução da narrativa, num jogo muito bem-feito de perguntas e respostas, aquelas propostas pelos próprios personagens e estas resolvidas no decorrer natural das descobertas.
Devo dizer que a história, agora olhando da perspectiva do quarto livro, não é uma grande novidade para fãs de Fronteiras do Universo: a base está toda ali. Mas acredito que Phillip Pullman deve se orgulhar - se conhecer A Passa-Espelhos - de ver que sua trilogia inspirou uma história que conseguiu dar os próprios passos e construir um referencial original a partir de uma matéria em comum. (Justamente pela Christelle Dabos ser fã de Fronteiras do Universo, insisto no meu comentário abaixo sobre o final, até porque ela não escolheria o mesmo caminho traumatizante!)
Quero terminar dizendo que o quarto livro é o mais triste, mas também o mais belo dos quatro volumes (e o favorito, junto com "Perdidos em Luz da Lua"), e o que mais tem cenas românticas, mas sem nunca perder o foco no plot principal. Essa jornada de autoconhecimento, de identidade, e, falando especificamente sobre o casal, da descoberta do outro, de respeito, admiração e confiança, faz todo o sentido e é absolutamente necessária para que a história alcance o patamar ao qual pretendeu chegar. Eu amei a construção de trabalho em equipe que Ophélie e Thorn precisaram desenvolver para navegar nos profundos mistérios do mundo e da humanidade, além de muito, MUITO amor.
E sobre o final só tenho a dizer que amei. É sim emocionante e provavelmente perdi alguns litros de água chorando, mas uma saga tão séria perderia totalmente o sentido com um final água com açúcar de contos de fadas. Ainda assim, insisto em ver um final feliz e otimista, até porque a Ophélie e o Thorn já me provaram em outros momentos que devo acreditar.