Dani do Book Galaxy 14/01/2019Um presente para a literatura nacionalPrimeiro, gostaria de começar essa resenha dizendo como estou feliz por ter feito a leitura de “Um Milhão de Finais Felizes”.
Digo isso porque é maravilhoso encontrar autores nacionais que nos proporcionem uma literatura com tanta qualidade, divertida, sensível e repleta de assuntos importantes e que precisam ser discutidos, como uma família abusiva, homossexualidade e bissexualidade, dúvidas em relação à carreira, problemas financeiros, enfim. Coisas que estão presentes na vida das pessoas, mas nem sempre são expostas abertamente.
[A São Paulo de Jonas é a minha São Paulo]
Uma das coisas que imediatamente me fizeram entrar no círculo imersivo do livro foi o cenário criado pelo autor. Um cenário tão próximo da minha realidade que imaginar as personagens imersas nele não foi apenas fácil – foi natural e divertido.
A história se passa entre a cidade de São Paulo (onde eu moro) e a cidade de Santo André, que já tive a oportunidade de visitar algumas vezes a trabalho. Foi uma delícia ler uma história tão divertida ambientada nesse cenário que conheço (quase) como a palma da minha mão. Já li diversos livros ambientados em São Paulo, mas em nenhum deles a senti de verdade como pude senti-la na história contada por Vitor nesse livro.
A identificação aconteceu principalmente por conta da minha própria juventude e experiência na cidade: as baladas LGBT com os amigos, os rolês na Paulista e na Liberdade, as bebidas temáticas na Starbucks (ou melhor, Rock Café).
[Personagens reais e não limitados por estereótipos]
Já deixei claro que o cenário em que vive Jonas e seus amigos foi crucial para a identificação inicial entre mim, leitora, e o livro. Porém, acredito que, mesmo se eu não tivesse tido essas experiências paulistanas, iria amar o livro imediatamente da mesma forma. Afinal, além da ambientação, Vitor criou personagens tão reais que eu conseguia encaixá-los na minha própria turma de amigos.
Em “Um Milhão de Finais Felizes”, temos Danilo, o amigo um pouco escandaloso, mas leal às amizades até a raiz dos cabelos; Isa, aquela amiga meio chata mas que a gente ama; Karina, a amiga sincerona e que se mostra mais compreensiva do que imaginávamos; e, claro, Jonas, o protagonista que é tão carismático em toda a sua humildade que dá vontade de puxá-lo para um abraço.
Mais bacana que a criação desses personagens tão reais, porém, foi o fato de o autor conseguir se manter longe de estereótipos que geralmente incomodam em livros Young adult. Temos personagens LGBT e drag queens, personagens orientais; entretanto, Vitor os constrói de uma forma que não é estereotipada. Todos têm características muito próprias, como se guardassem milhares de histórias dentro de si, e eu achei isso incrível.
E aqui dou mais uma estrelinha dourada de “bom trabalho” para o Vitor no quesito criação de personagens: ele manteve a construção desses personagens adequada à realidade brasileira. Me incomoda demais ler livros escritos por brasileiros com personagens com nomes americanizados, ou com um cenário completamente descolado do qual vivemos hoje em dia. Que adolescente brasileiro de 17 anos já tem carro, vai viajar sem a família e tem nomes como John e Katie?
[A importância da amizade quando a família decepciona]
Um dos pontos centrais da história de “Um Milhão de Finais Felizes” é o relacionamento do protagonista com sua família. A família de Jonas é bastante religiosa e Jonas precisa lidar diariamente com os conceitos arraigados em sua mente, oriundos de sua infância em meio a esse ambiente.
Uma das coisas que mais me tocou foi a confusão da personagem em relação à sua orientação sexual, claramente em conflito com sua educação religiosa. Mesmo não sendo tão próximo da Igreja como um dia já fora, muitas vezes a personagem se via ainda presa aos conceitos que a Igreja um dia lhe ensinara. Afinal, aquela fora uma parte importante de sua vida, que passou a se descolar-se dele, para dar lugar a o que tornou Jonas quem ele realmente era.
Em meio a esse clima familiar pesado, Jonas tinha os amigos – e seu crush – como a válvula de escape que ele precisava para não desmoronar em si mesmo. O papel que os amigos cumprem nesse livro é tão forte e importante que eles passam a ocupar o papel da família de Jonas.
E essa é uma das maiores mensagens que esse livro nos passa: nem sempre a família em que você nasceu é a família que você merece e que te fará feliz. E, como a própria RuPaul já disse algumas vezes: poder escolher a própria família é um privilégio, e quando ela é composta de seus amigos, aí é onde reside o verdadeiro conceito de família.
[Piratas Gays e outras referências fantásticas]
Outro ponto delicioso de se ler na história de Jonas em “Um Milhão de Finais Felizes” foi seu desejo em ser escritor, e o modo como ele desejava isso mas nem sempre tinha coragem de seguir em frente para realizar esse desejo.
Um dos modos de Jonas começar foi escrevendo uma história denominada “Piratas Gays” – e não vou me estender muito nela para não dar nenhum spoiler. Porém, preciso acrescentar que essa história dentro da história principal foi mais um ponto positivo, mais um gancho que me deixou curiosa para continuar acompanhando esse universo tão divertido.
Afinal, não tem como algo denominado “Piratas Gays” ser ruim, certo?
Se tem mais um ponto alto que posso destacar desse livro incrível, são as referências muito bem utilizadas. Indo desde The Sims a RuPaul’s Drag Race e Stephen King, Vitor consegue nos situar no cenário do jovem brasileiro contemporâneo sem fazer nenhum esforço. Se esse não é um livro feito para mim, eu não sei para quem mais seria!
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