spoiler visualizarIasmim.Almeida 22/10/2021
O orgulho, a docilidade, e o seu amor.
Shirley é um romance atemporal e futurista e reflete de inúmeras maneiras à própria autora; Charlotte Brontë. Escrito na década de 80, no início do século XIX, Shirley faz um recorte de um momento histórico, social, político e religioso da Inglaterra, mas precisamente, em Yorkshire. O condado de Yorkshire outrora produtivo e prospero, entra em declínio com a guerra entre a Inglaterra e à França, bem como, com o fechamento das rotas comerciais, a introdução das máquinas na produção dos tecidos, e a demissão em massa de trabalhadores. A cidade e o povo são atingidos, contudo, a classe trabalhadora é assolada severamente com desemprego, a pobreza e a fome.
É neste contexto histórico e político que as nossas duas heroínas Shirley e Caroline aparecem, ainda de forma sutil e singela e nos arrebatam de uma vez, seja por sua personalidade alegre e decidida - no caso de Shirley- ou por sua personalidade melancólica e mansa - no caso de Caroline-. Embora, de diferentes personalidades e temperamentos, uma amizade entre as duas é imediatamente constituída, nutrida e assim, ela floresce com as flores no ápice da primavera, linda, forte, e colorida.
Caroline Hestolne é uma jovem solitária que passou toda a sua vida na casa paroquial do seu tio, pároco da cidade. Cary, carinhosamente chamada, apenas existia. Compreendia a vida através dos limites da casa paroquial e de Hollow; o único local que lhe trazia um pouco de felicidade e alegria. O chalé de Hollow pertencia a seus parentes, Robert Moore e Hortence, ambos seus primos.
Shirley Keeldar é uma jovem adulta, alegre e cheia de vida. É herdeira legítima da propriedade da família, bem como do título que advém com ela. Apesar da fortuna e da posição na sociedade, Shirley é uma moça simples e modesta à seu modo, trata à todos de forma adequada, com educação e respeito. Contudo, Shirley não é uma mulher comum. Shirley é uma mulher fora dos padrões para à época, ela é forte, decidida, eloquente, sábia, ela é senhora de si, de suas escolhas e de seu destino.
Orgulho e vaidade, docilidade e altivez, mansidão e autoritarismo, preconceito e
aceitação, autoridade e submissão, superioridade e inferioridade, indiferença e amor, são conceitos intrínsecos que ora se alternam, ora se revelam de forma simultânea no coração e na visão de nossas heroínas. Ambas vivem e sentem todas as mudanças acarretadas por estes mistos de sensações em relação à si e a seus sentimentos. Enquanto Cary, julga impossível e inacessível o seu casamento com seu primo Robert, por quem nutre um amor puro e sincero, mas tão secreto quando as águas nas rochas, Shirley, recusa-se veementemente a casar-se por qualquer outro motivo que não seja o amor.
Embora, o amor seja simples e fácil, as condições que o cerca muitas vezes são quase intransponíveis, quando se trata do orgulho ou posição sociais diferentes. É neste cenário de diferenças e indiferenças que o amor se apresenta e brota no coração de quatro jovens destinados a se completarem.
Louis é um jovem calmo, sério e seguro de si, contudo é extremamente orgulhoso, impetuoso e às vezes, sensato demais, contudo, quem disse o amor é sensato? Ele é tutor, e nutre dentro de si um amor impossível - devido a diferença de classes social, e segundo ele, por ser pobre- mas ainda assim, um amor tão puro e tão singelo - por sua pupila, a herdeira e a senhora de Fieldhead; Shirley Keeldar. Esta por sua vez é livre de estigmas e preconceitos. E em sua liberdade, ama verdadeiramente e sem ressalvas. E senhora de si, coloca-se voluntariamente sobre a autoridade de seu amado Louis, e permite que ele seja o senhor de si mesma. Orgulho e preconceito, seriedade e gracejos, autoridade e submissão, amor e devoção, assim são Louis, Shirley e seu amor.
Um amor calmo e tranquilo e um amor que nasce de um coração manso. É a este amor - o amor de Caroline- que o autoritário, forte e seguro Robert Moore se entrega após perceber que há mais coisas na vida do que o dinheiro. Orgulho e vaidade, tempestade e calmaria, autoridade e submissão, amor e devoção, assim são Robert, Caroline e seu amor.
Ah, sobre o livro .... A leitura é fluida. Os personagens são cativantes e profundos. Charlotte Brontë mais uma vez nos apresenta um romance completo, e apesar de ser um romance de formação e sim, entender o casamento como o fim ideal para uma mulher, ela nos apresenta Shirley, uma mulher a frente de seu tempo, independente emocional e financeiramente. Uma mulher jovem, segura de si e dona do seu futuro.