Rosalba Moreira 05/01/2023
Leitura muito reflexiva e que me deixou muito inquieta
Este é o quarto livro de Gabriel Garcia Marquez que leio e o primeiro do qual não consegui gostar verdadeiramente. Ele despertou em mim diversos sentimentos negativos.
O personagem principal é simplesmente odioso. Intragável mesmo. Desde o início da leitura fiquei abismada com a ideia dele, um homem de 90 anos, querer de presente de aniversário uma noite de amor louco com uma virgem de apenas 14 anos, arranjada por uma cafetina amiga sua.
Achei que isso seria apenas uma trama inicial e logo no decorrer da história o rumo seria outro. Mas a "relação" entre o homem e a garota continuou durante todo o enredo do livro e, mesmo não tendo havido a "consumação" entre os dois, isso me deixou bastante inquieta, revoltada mesmo.
O questionamento que faço aqui não é sobre a diferença de idade entre os personagens. Destaco, inicialmente, a situação vivida por essa jovem e para a qual não foi dada nenhuma importância na trama.
A garota em questão, ainda virgem, estava iniciando sua vida como prostituta. Ela cuidava dos irmãos mais novos e ainda trabalhava numa fábrica pregando botões. Logo, leva-nos a crer que tinha uma vida sofrida, sem amparo familiar e, por esse e talvez outros motivos, ela teve que entrar na vida da prostituição. Mas nada disso, tampouco o fato dela ser destinada a perder sua virgindade com um homem de 90 anos, foi o foco da história. E isso me incomodou muito. Todas as atenções da trama são voltadas para a solidão de um homem que sempre viveu sua vida de maneira fútil e agora descobriu o “amor” por essa jovem. Isso foi mostrado como algo mais importante que as condições de vida da garota, com todos os percalços aqui já descritos.
Entendo que a história é contada em primeira pessoa, pelo próprio personagem idoso. Logo, é de se esperar que a ele lhe importem os seus sentimentos, os seus desejos, a sua vida, a sua masculinidade, e sua virilidade, tão exaltada durante a história.
Mas a todo momento eu fiquei me questionando: por que Gabo quis que essa jovem, que devolveria o ânimo a este homem, fosse justo uma menina? Por que não colocou a personagem como uma mulher adulta, ainda que jovem? Talvez ele tivesse a intenção, justamente, de nos incomodar. Se era isso, pelo menos comigo, conseguiu. Desejo muito, de verdade, que a intenção tenha sido essa. Porque a história é rodeada de muito machismo, patriarcalismo e, por isso, muito difícil de simpatizar.
Mas me espanta que nem todos tenham feito os questionamentos que fiz. Li muitas resenhas acerca dessa obra para saber se as pessoas tiveram as mesmas inquietações que tive, e para surpresa minha, MUITOS mal falaram sobre a realidade da garota. Apenas comentavam como a história falava sobre a vida de idosos, como eles encaram a realidade, como é possível ainda viver intensamente mesmo depois dos 90 anos, até mesmo descobrir o amor (ainda que seja por uma menina de 14 anos???!!!). Sinceramente, não vi essa história com bons olhos. Não consegui aplaudir a vivacidade do personagem aos 90 anos ao passo que "amava" uma MENINA. Pedófilo, não dá, gente.
A intenção de mostrar como uma pessoa idosa pode, ainda, aproveitar a vida, amar, ser feliz, acho válida. Mas prefiro acreditar que o foco da história, a principal intenção do autor, não era essa (Gabo, me diga que seu desejo era causar essa REVOLTA em nós leitores, e não focar na vida desse velho nojento, POR FAVOR)
Abro um parêntese para dizer que a leitura é boa no sentido de que nos prende. Gabo sabe fazer isso muito bem e com esse livro não foi diferente.
Bom, ficam aqui minhas considerações. Mas e aí, recomendo a leitura? A resposta é sim. Leia e me diga quais foram suas impressões.