maria 21/02/2024
Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida.
Perto do coração selvagem foi o primeiro romance de Clarice Lispector e, diz muito, de forma geral, sobre as outras obras dela. Um livro que usa da hipersensibilidade e ao mesmo tempo, do racional.
Joana, a personagem principal, chega realmente perto do coração selvagem da vida. Ela está em constante busca pelo sentido mais profundo das coisas, pela solidão que a conforta, por ela mesma.
Joana tem sua feminilidade, mas também não se importa de fugir desse enquadramento, visto que, por natureza, é uma personagem com forte espírito de aventura, audácia e independência, características que remetem tradicionalmente ao gênero masculino. Como o livro foi publicado em 1943, Clarice desfez o estereótipo feminino com Joana, pois desde muito tempo, mulheres tinham que ser mais submissas, dependentes aos homens, ?rendidas?. O contrário da protagonista, mas parecido com Lídia, outra personagem.
Perto do coração selvagem é um livro intenso, um livro de abandonos que libertam, um livro em que a solidão não é necessariamente ruim. Clarice, como sempre, descreve sensações e pensamentos que eu não conseguiria colocar em palavras. Mas a autora colocou tudo em palavras, até o som de objetos.
A voz e o som foram fatores importantes para a construção do raciocínio de Joana, que reflete diversas vezes sobre a mulher da voz e inclusive, nos traz o pensamento sobre como as vozes que escutamos durante a vida podem influenciar direta ou indiretamente em nossa própria voz.
A influência das vozes, o fluxo de consciência e inconsciência, os polílogos, as emoções, os cinco sentidos do corpo humano, o sentimento que dá e antecede o raciocínio, o próprio raciocínio, o que vai além do gênero feminino ou masculino, o que vai além do humano e não humano foram elementos trabalhados com excelência na escrita de Clarice. Certas partes me deixaram pensando por um longo tempo, e foi um prazer experienciar mais um livro dessa escritora que admiro tanto.