brndlemos 05/06/2020
Angustiante, complexo, contraditório
Comecei a ler sem me lembrar bem quem recomendou ou do enredo, só lembrava que estava na minha lista havia muito tempo. Pois bem...
John Fowles fez uma obra prima, aqui. Os personagens são de altíssima complexidade, bem mais profundos do que se espera. São contraditórios, humanos, tentam justificar-se.
O livro é dividido em quatro partes, sendo as duas primeiras narrando exatamente os mesmos acontecimentos. Primeiro, pela perspectiva de Frederic, o agressor; depois, por meio da leitura do diário de Miranda, a vítima.
Ao contrário de muitos, não consegui ter empatia por Frederic em sua narrativa, senti asco a todo momento. Aqui ele expõe devaneios de superioridade, pensamentos machistas e de posse dos mais diversos níveis. Apesar de ter me sentido enjoada por reconhecer esse tipo de pensamento na nossa sociedade com tanta facilidade (mesmo sendo um livro da década de 60!), engoli a primeira parte do livro com facilidade. Segundo Frederic, o mundo o despreza por ter vindo de baixa classe e repentinamente ter se tornado rico não muda isso, pois continua não pertencendo a elite, seu comportamento, linguagem, gostos não permitem isso. Através de suas lentes, achei Miranda insuportável, mimada, desagradável, muito embora ele constantemente reafirme o quanto a ama, como ela é linda, inteligente e maravilhosa; mas também o despreza por ser como é. Fiquei boa parte do tempo me questionando porquê ele gosta tanto dessa chata.
Lendo o diário de Miranda, não consegui avançar tão rápido na leitura. Não que seja ruim (é fantástico), mas porque senti tudo com maior intensidade e precisei de pausas pra assimilar. Queria dizer que, apesar de todo o contexto em que ela está inserida (sequestro, etc.), me identifiquei muito com várias passagens por conta da quarentena. Assim como Miranda, estou em isolamento social, sem ter contato com o mundo exterior,
vivendo de lembranças sobre como é a vida real. Exceto pelas condições.
Ler o diário de Miranda é como ler o diário de uma pessoa real. Ela se mostra igualmente complexa, tem pensamentos contraditórios, é instável, se desespera, se questiona sobre a existência de Deus. Tem sentimentos confusos e mistos pelo sequestrador, ora é gentil com ele e sente compaixão, ora o despreza. Ela oscila entre tratá-lo bem, porque seu princípio é cultivar a paz e a gentileza, e tratá-lo com indiferença, para que saiba que se desiluda, se canse e a liberte. Miranda é bem politizada e a todo momento apresenta pensamentos de esquerda, diz que luta pelos trabalhadores e menos afortunados, mas despreza seu sequestrador, um homem que veio da classe trabalhadora, justamente por tudo que o caracteriza como parte dessa classe: seu jeito, educação, relação com a arte.
Sinto que preciso reler esse livro para absorver tudo que ainda não consegui, sinto que não extraí ainda tudo que essa obra tem pra ofertar.
Sei que recomendo ferrenhamente. Se tornou um dos meus livros favoritos.