Lah 01/09/2022
Sobre " A redoma de vidro " de Sylvia Plath
As palavras de Plath atravessaram-me de maneira íntima, particular. Tudo remexeu em mim, tudo foi tocado. Ao exprimir o indizível - aquilo que jaz sob mistério, estigma, incompreensão e preconceito -, a autora nos impele a uma experiência de leitura singular: " despida [ a obra ] de verniz lírico, porque imersa na crueza dos sentimentos mais profundos ".
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Este fora o único romance da poetisa norte-americana Sylvia Plath. Sem pormenorizar, a trama se desenrola nos idos de 1963 e narra a estória de Esther Greenwood, jovem inteligente, promissora e privilegiada para os padrões de seu tempo, mas que sente profunda desconexão com sua realidade, se percebe absorta num sem-sentido da vida.
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Seja pela similitude nalgum nível entre a experiência de Esther e a sua própria, seja por incitar um sentimento de profunda condolência, esta obra arrebatá-lo-á: não há como se manter apático face aos seus flertes com a morte que se dão tanto de modo inconspícuo (comparecendo, no texto, de forma sutil, profunda e poética), como de modo brutal e patente ( irrompendo como uma força desesperada).
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O enredo abarca questões emergentes do feminismo da época: os ditames sociais vinculados aos papéis de gênero e as angústias e incertezas daí redundantes, sexualidade, as aspirações profissionais, a recusa ao projeto patriarcal de família, a nascente pílula contraceptiva, discussões em torno do aborto...
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O texto toca tbm, sensivelmente, no tema da luta antimanicomial. A condição de Esther se deteriora com o tempo. Não há política pública de atenção à saúde. Á contragosto, Esther é levada a um hospital psiquiátrico e submetida a terapia eletroconvulsiva - método de tratamento a depressão pela psiquiatria ateórica e organicista do séc.XX. A reclusão, a eletroconvulsoterapia ... refletem a tendência no capitalismo de construção de subjetividades patológicas com o fim de controle - por meio de políticas higienistas ou pela coerção escancarada - das " anomias sociais ", as quais obstaculizam a produção do capital e a reprodução social. Tudo isto encontra-se subjacente a narração.
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Sobre os fenômenos do sofrimento psíquico e seu ponto culminante, o suicídio - em torno dos quais a trama de desenrola -, me parece cirúrgica a definição de Rubens Enderle, tradutor de " Sobre o suicídio " de Karl Marx ( leitura que fiz em paralelo): " ato extremo da multifacetada alienação do homem sob o capital, o suicídio possuí, em Marx e em Peuchet, o alcance de uma renúncia do indivíduo a uma existência inautêntica, apertada do gênero humano. Suas raízes não se encontram, portanto, em nenhuma individualidade ou sociedade cristalizadas, mas sim no âmago daquele vivo e sempre mutável complexo de categorias que chamamos de ser social ".
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Sylvia Plath teve uma vida fugaz, uma morte precoce: com a cabeça no forno á gás se suicida, aos 30 anos, deixando dois filhos. Ademais do "Redoma de Vidro", consta entre seus escritos um livro de Poemas ( Ariel - 1965 ) e um diário robusto póstumo ( 2000 ) que corrobora a fusão entre as histórias da protagonista e sua autora. O livro ora resenhado trata-se de uma obra ficcional com forte conteúdo autobiográfico. Plath é uma autora genial e sensível que renuncia a uma vida " estranhada " e desumanizante que asfixiou sua potencialidade humana e criativa.