Mica 28/04/2020
"Esse lugar desumano cria monstros humanos..."
Não pretendo me atentar aqui em apresentar a história porque a sinopse já tem essa função. Minha intenção é mostrar a minha interpretação, minhas considerações e elogios (milhares deles) e como essa história me afetou.
O Iluminado foi a minha primeira experiência com Stephen King e com o gênero em si e eu não poderia estar mais satisfeita. Quando decidi que gostaria de embarcar no universo de King e no universo de terror dentro da literatura (universo esse que tenho tido cada vez mais interesse, tanto na literatura quanto no cinema), eu imaginava que seria uma experiência bem catastrófica e movimentada e cheia de emoção, desespero. No entanto, quando me deparei com a trama do Iluminado, me peguei dentro de uma história, inicialmente, completamente real. Vi uma entrevista de King esses dias e ao ouvir ele dizendo que é apaixonado por histórias reais, tudo fez sentido. A história de vida de Jack Torrence é completamente real: alguém lutando pra se manter firme diante de todos os traumas e vícios e sequelas da sua própria história. A gente se depara com o alcoolismo dele e essa inclinação pra perda de controle que faz todo o sentido quando a gente conhece a infância conturbada e com um pai alcoólatra também. O mais legal é que King consegue contextualizar bem e trazer toda essa agonia e desolação que paira sobre a vida das famílias com indivíduos alcoólatras de uma forma, novamente, muito real. Pra mim é fácil me identificar e me colocar no lugar dentro dessa situação na medida que tive uma história de vida afetada pelo vício no álcool dentro da família.
Essa habilidade do King, de trazer a gente pra dentro dos problemas do personagem me impressionou. Me senti, o tempo todo, ali dentro e vendo tudo pelos meus próprios olhos. A gente consegue sentir cada um ali dentro. Como isso afeta o Danny, o medo da Wendy em todas as noites que o marido não volta pra casa e imaginado como é que ele vai chegar, a culpa de Jack e esse sentimento autodestrutivo... É tudo relatado de uma forma muito coerente e intensa e, claramente, relacionado com o próprio passado do Jack.
Quando a gente se muda pro Overlook, o começo é tudo flores e a aproximação de Jack com a história do hotel e esse interesse e afeição inconsciente pelo Overlook só cresce. Todos os assassinatos e fases do Overlook vão construindo essa energia densa e carregada, como se a junção de todas essas desgraças desse luz à um monstro que é claramente construído e gerado sob muita violência. No entanto, Jack vê naquele lugar uma oportunidade de reconstruir tudo aquilo que ele perdeu, uma oportunidade de escrever, de cuidar da sua família e se manter longe da bebida...
O que a gente entende, num primeiro momento, é que existem três personagens principais dentro da história mas conforme a trama se desenvolve - de forma magistral e extremamente paciente, se atentando aos detalhes e ao passado dos personagens - gente percebe que um quarto participante, de início quieto e à espreita, existe ali e é o próprio Overlook.
O hotel existe e tem vida, é como se fosse uma espécie de manifestação maligna que se diverte, de fato, com as desgraças que ocorrem ali. O mais interessante é que King consegue trazer o sobrenatural de uma forma muito (novamente) real na medida em que as próprias fraquezas e traumas são usadas ali pra que se cumpra um objetivo maior. Jack Torrence é um vilão mas ao mesmo tempo é vítima do próprio hotel. O Overlook usa da história de Jack e das fraquezas pra saciar seu desejo de destruição. A gente vê, por vezes, Jack se transformar no seu próprio pai e em tudo aquilo que ele abomina e luta constantemente: a perda do controle, o desprezo pela mulher e pelo filho e etc.
É um história que, apesar de ter o seu ápice no final, é extremamente atrativa. Essa construção é extremamente necessária e dá sentido a história. O Iluminado é uma trama baseada no passado dos personagens. A gente tem o Jack extremamente influenciado por tudo aquilo que ele passou, e o Overlook como sendo a soma de tudo que já aconteceu ali.
Não sou capaz de externalizar a satisfação que eu senti lendo isso e como eu me apaixonei por todas as características dessa história: desde a escrita do autor que literalmente me arrebatou, até a história dos personagens. Amo Jack Torrence de paixão e entendo ele, como ser humano que é refém de sua própria história, e carrega a herança de todos os seus traumas. Enxergo o Overlook como o grande vilão da história e a materialização daquele ditado: ?Tem alguma coisa ali, à espreita, te observando e só esperando o momento certo pra te pegar?.