Emily 11/08/2020
Olhai os Lírios do Campo é uma narrativa marcante e, em diversos aspectos, intensa. Esse misto de sentimentos diante da leitura ocorre porque é abordado desde o sentimentalismo até problemas sociais, como a desigualdade. O personagem principal é Eugênio, o Genoca, um rapaz de origem humilde e que reconhece desde pequeno as divergências existentes entre as prioridades da sociedade elitista e da sociedade popular. Essa dicotomia pobre x rico, este detendo facilidades e prestígios; aquele precisando sofrer para garantir o mínimo para sua subsistência, transfere em Eugênio crises existenciais, complexos de inferioridade, indecisões e, majoritariamente, um desejo absurdo de fazer parte do outro lado. É um sentimento tão intenso que ele se torna egocêntrico e passa a sentir vergonha de sua própria família, em especial seu pai, que, em alguns trechos do livro, é notoriamente desprezado pelo filho. Recém-formado em Medicina, Eugênio se aproxima de Olívia, uma personagem que possui em comum com Eugênio apenas o fato de ser também de origem humilde. Ele sempre recorria a ela para falar acerca de seus lamentos, de suas frustrações, de seus desejos... Olívia não teve muitas falas na narrativa, mas em um capítulo específico em que ela toma destaque, é facilmente perceptível que ela possui clareza diante das adversidades da vida e delicadeza em suas falas ao mesmo tempo em que é sensata. É uma passagem tão linda que a gente anseia por saber mais sobre a personagem, sobre seus pensamentos, sobre suas opiniões... Ela era exatamente o perfeito equilíbrio de Eugênio e, tal qual a vida real, Olívia lembra a capacidade que o ser humano tem de amar com todo coração um ser humano tão cheio de falhas e de ambições. E, mais uma vez, assim como algumas realidades, a escolha que Eugênio fez em sua vida nada tinha a ver com amor. E sim com interesse. Se relacionou, na verdade, com Eunice, filha de um homem de posses e de muito prestígio social, o Sintra. Viveu, certamente, infeliz, amargurado, arrependido e ansiando por seu amor verdadeiro, Olívia - que, incontestavelmente, se afastou e compreendia as decisões do amado (são tantas virtudes adicionadas a personagem, tanta idealização, que o leitor poderia facilmente acreditar que nem humana ela é). Eugênio amadurece muito no desenvolvimento da narrativa - ainda bem! - e sua redenção é bem clichê e bem previsível: saber que a vida é muito mais do que meramente recursos financeiros ou posse de bens materiais. Ele é impulsionado também a desistir dessa vida de caráter elitista, que tanto ambicionava, pelos sentimentos por Olívia. Paralela a história desse personagem principal, existem outros personagens notáveis, assim como seus discursos, a dizer: Simão, um jovem judeu, que desabafava para Eugênio os obstáculos pelos quais ele precisava enfrentar em um cenário de ascensão do nazismo e, consequentemente, de preconceitos diante dele e do seu povo; a abordagem acerca da pretensão que Eugênio tinha, assim como outros médicos, de socializar a medicina, como um direito para todos, e não somente para a elite... São diversas temáticas introduzidas em uma única narrativa, tornando-a, assim, envolvente e propícia a diversas opiniões. O final é em aberto, assim como a vida real: sujeita a diversas interpretações e acontecimentos imprevisíveis (ou nem tanto assim!). De qualquer forma, já recomendava Olívia: "Olhai as estrelas. Sempre há esperança na vida".