Amanda Mesquita 29/05/2013
As cem melhores crônicas brasileiras
As cem melhores crônicas brasileiras é uma coletânea de crônicas selecionadas pelo jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos e publicada em 2007 pela editora Objetiva. O gênero que me atrevo a considerar genuinamente brasileiro (ou muito bem abrasileirado), é um retrato pessoal da sociedade brasileira. A chamada “literatura de bermudas” veio para criar o gostinho da literatura no brasileiro e proporcionar uma reflexão sobre fatos curiosos (ou não), mas, com certeza, comuns ao cotidiano de todos. A obra contém crônicas que vão de Machado de Assis a Luis Fernando Veríssimo; passeando pelas colunas de jornal do século XIX até chegar aos blogs do século XXI.
Dividido em oito grandes blocos temporais, o livro realmente seleciona as melhores das melhores crônicas, escritas por consagrados escritores e jornalistas de nosso país. Dentre a lista de autores, figuram: Machado de Assis, João do Rio, Lima Barreto, Olavo Bilac, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Oswald de Andrade, Alcântara Machado, Rachel de Queiroz, Mario de Andrade, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Sabino, Millôr Fernandes, Clarice Lispector, Caetano Veloso, Chico Buarque, Mario Quintana, Ivan Lessa, Luis Fernando Veríssimo, Caio Fernando de Abreu, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony, Ignácio de Loyola Brandão, Mario Prata, Marcos Rey, Arnaldo Jabor, Danuza Leão e Antonio Prata. Ufa! Desculpe-me a “pequena” lista, mas não poderia deixar de citar nenhum desses nomes.
Dentre as cem crônicas também preciso ressaltar as mais significativas (em minha opinião). Entenda como significativas aquelas que me fizeram rir, que se encaixaram perfeitamente em minha vida, as mais reflexivas e as que dizem tudo que temos vontade, mas às vezes não temos coragem (ou oportunidade) de dizer. Começando por Nascimento da Crônica de Machado de Assis, que traz uma teoria bastante interessante e plausível sobre como surgiu tão amado gênero textual e ainda dá dicas de como começar uma boa crônica. Seguido pela pertinentíssima Queixa de defunto, de Lima Barreto, que faz uma crítica humorística ao calçamento das ruas do Rio de Janeiro pela visão de um defunto sendo carregado até o cemitério. Rachel de Queiroz exprime com maestria os desejos mais sinceros e os mais de difíceis de admitir em Talvez o último desejo. Antônio Maria consegue extrair o gosto mais doce que um Café com leite pode ter, no texto que leva o nome da bebida matinal tradicional dos brasileiros. Coisas abomináveis, de Paulo Mendes Campos lista as melhores e as piores coisas da vida, apesar de escrita na década de 1960, o texto consegue ser atemporal, da maneira mais natural possível.
Motivações à parte, os anos 1970 exploram de maneira mais reflexiva os acontecimentos rotineiros ou as memórias de infância. Assim acontece com Medo da eternidade, de Clarice Lispector, de uma sutileza incrível, traz o medo e o peso da eternidade que todos nós carregamos (seja no sentido literal ou não). A mesma temática temporal é recorrente em Ser Gagá de Millôr Fernandes, porém de modo inverso à de Clarice Lispector. E em 1990, Zuenir Ventura também reflete sobre a relação entre tempo e idade no texto Um idoso na fila do Detran. Já no século XXI, Xico Sá faz uma lindíssima declaração de amor aos diferentes tipos de mulher em Quando as mulheres acordam. Em Pessoas Habitadas, Martha Medeiros explica a diferença entre pessoas que são habitadas e as que não são, e, acredite: as pessoas podem ser caracterizadas dessa maneira. Para você estar passando adiante de Ricardo Freire exemplifica (e aplica) um dos vícios de linguagem mais irritante e recorrente dos anos 2000, o uso do futuro com o gerúndio. Acredito, porém, em que, de todas as crônicas, a mais verdadeira e realista (desculpe-me o pleonasmo) é Da arte de falar mal de Carlos Heitor Cony. Por fim Bar ruim é lindo, bixo, de Antonio Prata exprime o sentimento predominante de todos (tirando a parte da cachaça) que como eu são assim: “Meio intelectual, meio de esquerda”.
A literatura é o modo mais agradável de aprender história, desse modo, desde a carta de Pero Vaz de Caminha, o Brasil é retratado da maneira mais sincera e pessoal possível. A visão de quem realmente viveu uma época. Deixando transparecer ou dizendo abertamente os costumes, a linguagem, as coisas boas e ruins de cada geração. Mesmo que alguns dos textos da coletânea se pareçam mais com contos ou poesias em prosa, essas crônicas revelam o verdadeiro jeito de ser brasileiro e a forma mais casual e democrática possível de se fazer literatura.