Eric 25/05/2023
Um mosaico de culturas
Em Uma História de Poligamia, acompanhamos a vida de Rami, casada com Tony, um oficial de polícia do alto escalão. A sua rotina consiste em cuidar da casa, dos filhos e se lamentar pelas ausências do marido, o qual passa dias sem ir para casa e aparece apenas quando tem interesse. Incomodada com esses sumiços, Rami investiga e descobre que seu esposo é polígamo e possui mais 4 esposas, as quais representam as diferentes culturas moçambicanas.
Destemida a mudar essa situação, se une as amantes e obriga Tony a viver a tradicional poligamia, onde o marido deve ser provedor de forma igualitária para todas as famílias e garantir o sustento de todos. Mas essa atitude irá transformar sua vida, fazendo-a se questionar sua condição como mulher na sociedade, os reflexos da pós-guerra de independência e a debater tradições culturais.
Pauline Chiziane foi a primeira mulher publicar um romance em Moçambique. A autora traz um retrato sólido da cultura moçambicana em relação ao casamento, machismo e choque culturas que vão desde aos contrastes entre os povos nativos até as influências trazidas pela colonização europeia.
É impressionante o trabalho de contexto e ambientação apresentado aqui. Por meio das diferentes esposas, conhecemos as tradições do sul e norte de Moçambique, em que as relações conjugais possuem aspectos singulares.
Além disso, as dominações portuguesas trouxeram modificações nessa sociedade, como a imposição da monogamia pelo catolicismo, fazendo com que os homens praticassem a poligamia de forma adultera e clandestina. Os princípios cristãos do matrimônio eram aplicados somente a Rami, enquanto Tony nunca abandonou suas raízes poligâmicas.
Mas independente da relação, o machismo é presente nelas todas. Começando com a comida, onde as esposas sempre devem deixar os melhores pedaços aos maridos até a servir de joelhos conforme manda a lei.
Em uma das passagens, a autora revela a prática da Kutchinga: ato de purificação sexual que as viúvas eram obrigadas a passar após a morte do esposo em prol da preservação da “herança” do falecido. Passagem muito marcante que concretiza toda submissão feminina imposta por uma tradição cruel e desmoralizante.
O romance é bem denso, Rami entra em fluxos de consciência profundos, questionando toda a estrutura da sua cultura e condição como mulher. É interessante como ela conversa com o próprio reflexo no espelho e assim começa a se observar, correr atrás da sua autovalorização. Ademais, ao conhecer as amantes, entende que ambas foram vítimas de um sistema machista e as lidera para uma certa independência, fazendo uma certa alusão com a guerra de emancipação do país.
Apesar de toda sua riqueza, o livro possui um defeito é cansativo. Depois da metade em diante, Pauline é muito repetitiva quanto as dores da Rami. Em vários momentos, eu pensava: “Pelo amor de deus, já entendi sua dor” e isso se prolongava em páginas e mais páginas. Também, o estilo de texto é muito característico do romantismo, com isso o sentimentalismo exacerbado e diálogos metafóricos são explorados a todo momento, o que não me agrada muito, já que não sou muito adepto a esse movimento literário.
Tirando essas ressalvas, o conteúdo apresentado no romance é muito interessante. Funciona bem para conhecermos uma cultura tão complexa e plural. Portanto, recomendo demais esse livro, mesmo sendo cansativo, ele recompensa pelo tamanho do conhecimento que proporciona.