Thiago275 04/03/2024
Como sempre, uma graça
Em 1959, enquanto escrevia a história que viria a se tornar o livro O Capitão de Longo Curso, Jorge Amado foi convidado pelo editor da revista Senhor para escrever um conto que iria aparecer em um dos primeiros números. Assim nascia a novela A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua, uma história curta, porém reveladora do estilo que o autor adotou após o sucesso de Gabriela, Cravo e Canela, de 1958.
Nessa pequena história, conhecemos Joaquim Soares da Cunha, “de boa família, exemplar funcionário da mesa de rendas estadual, de passo medido, barba escanhoada, paletó negro de alpaca, pasta sob o braço, ouvido com respeito pelos vizinhos, jamais visto num botequim, de cachaça caseira e comedida”.
Após se aposentar, o pacato e submisso Joaquim resolve mandar às favas a mulher, a filha e o genro, (jararacas e um palerma, em sua opinião) e se torna “o cachaceiro-mor de Salvador, o filósofo esfarrapado da Rampa do Mercado, o senador das gafieiras. Nascia Quincas Berro Dágua (e a história desse apelido é de rolar de rir).
Depois de dez anos como “patriarca da zona do baixo meretrício”, Quincas morre e sua família finalmente respira aliviada. A morte física de Quincas vai restabelecer o respeito de seu nome, que a morte moral tinha jogado na lama.
Porém, o que a família não esperava é que os amigos de Quincas aparecessem no velório e levassem o cadáver para os lugares que mais gostava, bares, casas de jogo, camas de mulheres da vida. Pra que tristeza se a sua vida foi pura alegria? Afinal, Quincas morreu mesmo?
Essa pequena história me lembrou uma frase que li em Caim, de José Saramago: “Ninguém é uma só pessoa”. Todos nós temos uma dualidade interior, e frequentemente sacrificamos o nosso Quincas em nome de um respeito que somente o Joaquim submisso pode conquistar. Será que vale a pena? Jorge Amado certamente diria que não.