Joao.Magalhaes 21/04/2020
O ideal imperfeito
Livro difícil de se ler, pois boa parte é um monólogo.
A obra representa um marco, principalmente para as doutrinas socialistas. É um diálogo entre alguns personagens, mas a partir do primeiro terço do livro, se transforma num monólogo de Rafael, o teorizador da Utopia.
Alguns trechos retirados do livro:
"A riqueza e a liberdade conduzem à insubordinação e ao desprezo da autoridade; o homem livre e rico suporta com impaciência um governo injusto e despótico."
"Aprendei a dizer a verdade com propriedade e a propósito; e, se vossos esforços não puderem servir para efetuar o bem, que sirvam ao menos para diminuir a intensidade do mal; porque, tudo só será bom e perfeito, quando os próprios homens forem bons e perfeitos; e até lá, os séculos passarão."
"Eis o que invencivelmente me persuade que o único meio de distribuir os bens com igualdade e justiça, e de fazer a felicidade do gênero, é a abolição da propriedade. Enquanto o direito de propriedade for o fundamento do edifício social, a esse mais numerosa e mais estimável não terá por quinhão senão miséria, tormentos e desesperos."
"Porque o que acrescentais ao haver de um indivíduo tirais ao de seu vizinho."
"Entre os regulamentos do senado, o seguinte merece ser assinalado. Quando uma proposta é feita, é proibido discuti-la no mesmo dia; a discussão é transferida à sessão seguinte.
Dessa maneira ninguém fica exposto a desembuchar levianamente as primeiras coisas que lhe passem pela cabeça, e a defender, em seguida, a sua opinião antes do que o bem geral;"
"As roupas têm a mesma forma para todos os habitantes da ilha..."
"Mas, dizem, a fortuna pode traí-lo e a lei (que tanto quanto a sorte precipita frequentemente o homem do pináculo ao lodo) pode arrancar-lhe o dinheiro, fazendo-o passar às mãos do mais ignóbil de seus lacaios. Então, este mesmo rico se sentirá feliz em passar também, na companhia de seu dinheiro, a serviço de seu antigo criado."
Sobre eutanásia: "os que se deixam persuadir [pelo discurso de um sacerdote] põem fim a seus dias pela abstinência voluntária ou são adormecidos por meio de um narcótico mortal, e morrem sem se aperceber..."
"Os maridos castigam suas mulheres; os pais, seus filhos; a menos que a gravidade do delito exija uma reparação pública."
"As leis são em muito pequeno número e não obstante bastam às instituições. O que os utopianos desaprovam especialmente nos outros povos é a quantidade infinita de volumes, leis e comentários, que, apesar não são suficientes para garantir a ordem pública. Consideram como injustiça suprema enlear os homens numa infinidade de leis, tão numerosas que se torna impossível conhecê-las todas, ou tão obscuras que é impossível compreendê-las."
"Os utopianos pensam que é preferível que cada um defenda sua causa e confie diretamente ao juiz o que teria a dizer a um advogado. Desta maneira há menos ambiguidade e rodeio e a verdade se descobre mais facilmente. As partes expõem seu negócio simplesmente, pois não há advogados para ensinar-lhes as mil artimanhas da chicana.
O juiz examina e pesa as razões de cada um com bom senso e boa fé; defende a ingenuidade do homem simples contra as calúnias do velhaco."
Mesmo sendo uma "Utopia", não deixa de ser uma sociedade com muitas falhas descritas pelo próprio autor, quando analisadas hoje. Apesar das inúmeras falhas, a sociedade descrita no livro não seria impossível, mas somente numa ilha, tal como é apresentada, isolada do resto do mundo. Outro ponto não abordado é a figura do príncipe, que segue existindo na Utopia. Não haveria nenhum conflito pelo poder?
Enfim, são muitas questões que dificilmente podem ser respondidas por se tratar de um mundo ideal, muito longe da realidade, mas que, acredito eu, poderia ser simulado em pequenas experiências, em ambiente controlado, e com algum investimento inicial.