lucca 24/09/2023
"Em suma, queria dominar em todas as coisas."
Iniciando Camus.
Citações:
Ser senhor do próprio estado de espírito é privilégio dos grandes animais.
É o silêncio das florestas primitivas, tão pesado que sufoca.
Quando pensamos muito sobre o homem, por trabalho ou vocação, às vezes sentimos nostalgia dos primatas.
É, mas pobre de mim, sou muito loquaz ? e me relaciono com facilidade.
Duas ideias lhes bastarão para definir o homem moderno: fornicava e lia jornais.
"Devagar. Perigo!" Mesmo quando a simpatia é intensa, tenho cautela.
"De onde quer que você venha, entre e seja bem-vindo." Quem, segundo o senhor, respondeu a este belo convite? Os milicianos, que entraram como se a casa fosse deles e o estriparam.
Pelo contrário, privar os homens desses impulsos implica transformá-los em cães raivosos.
Os paióis, os porões, os subterrâneos, as grutas e os abismos causavam-me horror.
O crime está incessantemente em cena, mas o criminoso só figura fugazmente, para logo ser substituído.
Nunca tive necessidade de aprender a viver. A esse respeito, já sabia de tudo ao nascer.
Tratava-se, repare bem, de algo bem diferente da certeza em que eu vivia de ser mais inteligente do que todo mundo.
Sentia-me à vontade em tudo, é bem verdade, mas, ao mesmo tempo, nada me satisfazia.
Assim corria eu, sempre pleno, jamais saciado, sem saber onde parar, até o dia, ou melhor, até a noite em que a música parou e as luzes se apagaram.
A amizade é menos simples. Sua aquisição é longa e difícil, mas, quando se obtém, já não há meios de nos livrarmos dela; temos de enfrentá-la.
Talvez não amemos a vida o bastante. Já reparou que só a morte desperta nossos sentimentos?
Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos?
A razão é simples! Em relação a eles, já não há obrigações.
Não, é o morto recente que nós amamos em nossos amigos, o morto doloroso, nossa emoção, enfim, nós mesmos!
É assim o homem, caro senhor, com duas faces: não consegue amar sem se amar.
É preciso que algo aconteça, mesmo a servidão sem amor, mesmo a guerra ou a morte. Vivam, pois, os enterros!
A vida tornava-se menos fácil: quando o corpo está triste, o coração perde as forças.
Outro dia, nessa mesma época, a um motorista que me agradecia por tê-lo ajudado, respondi que ninguém teria feito o mesmo. Eu queria dizer, é claro, que qualquer pessoa teria feito o mesmo.
Em suma, queria dominar em todas as coisas.
Que importa, não acha, humilhar o próprio espírito, se dessa forma se consegue dominar o mundo inteiro?
Sua culpabilidade tornava-me eloquente, porque eu não era a vítima.
Sempre achei a misoginia vulgar e tola, e quase todas as mulheres que conheci, julguei-as sempre melhores do que eu. No entanto, ao colocá-las tão alto, utilizei-me delas mais vezes do que as servi. Como entender isso?
Não tenho o coração seco, longe disso, mas, pelo contrário, cheio de ternura, e mais: tenho a lágrima sempre fácil.
A sensualidade em si não é repugnante.
De tanto recomeçar, criam-se hábitos.
Acredite-me, para certos seres, pelo menos, não possuir aquilo que não se deseja é a coisa mais difícil do mundo.
O ato de amor, por exemplo, é uma confissão.
Todo mundo pode levá-lo a admirar as toucas, os tamancos e as casas decoradas, onde os pescadores fumam tabaco em meio a um cheiro de encáustica. Eu sou, pelo contrário, uma das raras pessoas que podem mostrar-lhe o que existe de importante aqui.
Como sei que não tenho amigos? É muito simples: eu descobri isso no dia em que pensei em matar-me para lhes pregar uma boa peça, para puni-los, de certa forma. Mas punir quem? Alguns ficariam surpreendidos; ninguém se sentiria punido. Compreendi que não tinha amigos.
Mas aí está, não se tem certeza, nunca se tem certeza. Caso contrário, haveria uma saída, poderíamos, finalmente, fazer com que nos levassem a sério.
Os homens só se convencem de nossas razões, de nossa sinceridade e da gravidade de nossos sofrimentos com a nossa morte.
Julgam sempre que nos suicidamos por uma razão. Mas podemos muito bem suicidar-nos por duas razões. Não, isso não lhes entra na cabeça.
E depois, vamos direto ao ponto, eu amo a vida, eis a minha verdadeira fraqueza. Amo-a tanto que não tenho nenhuma imaginação para o que não for vida.
A partir do momento em que temi que houvesse em mim qualquer coisa a ser julgada, compreendi, em suma, que havia neles uma vocação irresistível para julgar.
Mas, sobretudo, porque a riqueza nos livra do julgamento imediato, nos retira da multidão do metrô para nos encerrar numa carroceria toda niquelada, nos isola em vastos jardins particulares, carros-leitos, camarotes de luxo.
O gosto pela verdade a qualquer preço é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, às vezes um conforto, ou um egoísmo.
Apregoava minha lealdade e acho que não há entre os seres que amei um único que, afinal, eu não tenha também traído.
Não será a mulher tudo o que nos resta do paraíso terrestre?
Já que tinha necessidade de amar e de ser amado, julguei-me apaixonado. Em outras palavras, fiz papel de bobo.
Também ensaiei falar de amor e acabei por persuadir a mim mesmo.
Acabou-se o jogo, acabou-se o teatro, eu me encontrava, sem dúvida, com a verdade. Mas a verdade, caro amigo, assusta.
Eu me amava demais para desejar que o precioso objeto de meu amor desaparecesse para sempre.
Compreenderá, então, que a verdadeira libertinagem é libertadora, porque não impõe qualquer obrigação.
O senhor já deve ter notado, o homem que verdadeiramente sofre de ciúmes não tem outra pressa senão a de deitar-se com aquela que, no entanto, julga que o traiu. É claro que querem assegurar-se, mais uma vez, de que seu precioso tesouro ainda lhes pertence.
O ciúme físico é um produto da imaginação e, ao mesmo tempo, um julgamento que se faz de si mesmo. Atribuímos ao rival os sórdidos pensamentos que tivemos nas mesmas circunstâncias.
Vou contar-lhe um grande segredo, meu caro. Não espere pelo juízo Final. Ele se realiza todos os dias.
Mas o mais alto dos tormentos humanos é ser julgado sem lei. Nós vivemos, porém, neste tormento.
A verdade, como a luz, cega. A mentira, ao contrário, é um belo crepúsculo, que valoriza cada objeto.
É assim, meu caro, que nascem os impérios e as igrejas, sob o sol da morte.
O julgamento que fazemos dos outros acaba por nos atingir em plena face, deixando algumas marcas.
O essencial é poder permitir-se tudo, mesmo que seja preciso proclamar, de vez em quando, em altos brados, a própria indignidade.
Mas, quando não amamos nossa vida, quando sabemos que é preciso mudá-la, não temos escolha, não é? Que fazer para ser outra pessoa?