Anne 02/08/2022
Viva os vilões da pátria
Esse não é um livro de esquerda. É um livro de denúncia, e um brado de dor.
K. é um literato muito importante, judeu, fugido da Polônia em tempos de perseguição. Ele e sua esposa perderam quase que toda a família. Da parte da esposa, toda a família foi dizimada. Ela é uma sombra na história, pois já não há mais vida nela, apesar de estar entre os vivos.
No dia 22 de abril de 1974, sua filha, uma jovem e promissora professora de química da USP desaparece como fumaça.
K. percebe o sumiço dias depois, e inicia uma busca incessante por sua única filha.
Já iniciamos a história sabendo seu fim, mas não conseguimos abandonar K. em sua busca; e cada busca é um beco sem saída. Um muro sobe de repente quando se começa a chegar perto.
A história já é bem conhecida entre os brasileiros: um grupo de extrema esquerda se levanta, o Estado de extrema direita os esmaga. Casa da Morte, torturas, mentiras, a dor dos familiares, as culpas sentidas por quem menos tem culpas, e anestesiada naqueles que nunca foram responsabilizados.
O livro vai além. O autor (irmão da desaparecida e filho do narrador) continua suas denúncias acusando os próprios comandantes dirigentes da esquerda, omissos ao problema, deixando seus defensores serem caçados e inclusive, punindo injustamente os próprios defensores da causa.
A conversa aqui não é esquerda do bem e direita do mal, muito menos o contrário. A conversa é que deixamos impunes personalidades grotescas. Nomeamos pontes e avenidas em homenagem a homens diretamente responsáveis por não só sequestro, tortura, morte, esquartejamentos e incineração de corpos. A denúncia é que nunca se teve um pedido de desculpas, nunca se teve uma retratação pela falta de humanidade praticada no período. Ao contrário, a memória da dor foi apagada e esquecida não acidentalmente, mas intencionalmente.
A história do mundo está repleta de episódios vergonhosos, e esse com certeza está entre um dos maiores.