willian.coelho. 27/05/2021
O existencialismo ateu ganha forma
Jean-Paul Sartre foi romancista, ensaísta, dramaturgo e, ainda mais notavelmente, filósofo, bastante ativo no século XX. Recebeu uma educação considerada burguesa à época, com vasto acesso a livros. Conhecido pela sua corrente existencialista ateia, sofre metamorfose ao longo de sua carreira de escritor, a fim de adequar seu pensamento ao marxismo. “La nausée” foi seu primeiro romance, publicado em 1938, livro cujo Sartre começou a escrever ainda na terceira década de vida. A obra apresenta-se livre de influência direta de preceitos socialistas, sintetizando, puramente, o existencialismo sartriano pela perspectiva da personagem Antoine Roquentin em primeira pessoa.
A trama é disposta na forma de um diário do historiador Antoine, revelando seus pensamentos mais profundos. Trata-se de um homem solitário que não vê motivos sólidos e predefinidos na existência humana: “todo ente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza e morre por acaso”. Por isso, experiencia uma personalidade imediatista, desapegada de bloqueios morais (o que culmina em alguns pensamentos absurdos do ponto de vista social) e ansiosa. O protagonista tenta construir uma organização racional entre a sua lógica esvaziada de sentido concreto e o ambiente que o circunda: “como a patroa estivesse lá, tive que trepar com ela, mas foi só por delicadeza, ela me repugna um pouco: é muito branca e também cheira um pouco a recém-nascido”. Em alguns momentos, ele também vivencia quadros extremamente sinestésicos que parecem descolá-lo da realidade; nesses trechos, o autor emprega linguagem bastante poética e labiríntica. A própria personagem chama essas situações de náusea, o que dá nome à obra.
O que precisa ser dito é que, indubitavelmente, não é uma leitura fácil; há exigência que o leitor busque raciocinar, estudar o contexto. Logo, também não deve ser consumido rapidamente: a fluidez não é característica dessa narrativa. Por ser um romance essencialmente filosófico, é bem possível que não agradará aos que procuram somente um enredo sem entraves. No entanto, para os niilistas, é fundamental: esses indivíduos se encontrarão nas palavras de Roquentin. Para finalizar, é uma ótima oportunidade de desfrutar um Sartre livre do ato político, prévio à invasão nazista à França.