Emily422 10/12/2021
Refletindo da montanha para que todas as almas possam ver.
Antes de começar esse livro tenha em mente que "placet experiri" será o que mais você terá que fazer. Escalar essa montanha envolta em magia não é algo que se deve ter medo, muito menos algo que demande coragem. Para escalar a montanha basta apenas ser um filho enfermiço da vida, e isso é basicamente estar vivo. Enquanto vivos somos incuráveis. Uma coisa é certa: A recepção será muito branda, haverá um tocador de realejo a sua espera. Ele será um doidivanas, inegavelmente, mas ao menos é um de bom coração.
Terminei 'Der Zauberberg'. Nem sei se subi ou se estava devaneando. No final de quê que importa? É uma montanha mágica! Mesmo aqui em baixo posso afirmar que me encontrei em seu topo, vi diante de um mim a planície longínqua, reinei, girei e joguei fora a ampulheta. O protagonista dessa história, quem o sabe? Dizem que é um jovem loiro, paisano, aspirante a engenheiro, reinante, alvo pedagógico e, mais importante, filho enfermiço da vida! Talvez ele fosse um em meio a multidão que corre nas pradarias também... Quem o sabe?! O que de fato se fez notar é que a nossa "tabula rasa" foi sendo preenchida por conta de sua paciência e disposição para aprender. Pela frente, assim como Hans, encontraremos debates complexos envolvendo a dialética que move a história, vez por outra concordaremos com um lado da moeda, depois acharemos o outro razoável, depois perceberemos que na verdade estamos nos contradizendo, e assim repetiremos o movimento.
Não lembro se meu peculiar hábito de refletir sobre minhas mãos se intensificou com a leitura desse livro, mas agora, depois de concluir a primeira leitura, ele certamente ganhou um novo sentido. Um sentido paradoxal e interessante, eu diria. Foi comparando sua mão com a de outra enferma, e também a olhando através de um emissor de raio X e depois vendo seu contorno sobre o contraste do céu que pudemos vivenciar, a partir da percepção de Hans Castorp, o início da era dos extremos. No simples ato de fitar as mãos encontramos a paixão, a carne, os ossos, o túmulo, a vida, o céu, a abreviação, a vergonha, a neve, a lama, a terra, a humanidade, o tempo e, o mais iminente, o desembocar da mais estúpida das ações humanas, a guerra. Thomas Mann encontrou o melhor dos lugares para nosso herói explorar, afinal o que seria melhor do que refletir a narrativa sobre o cume da montanha para que assim todas as almas pudessem ver?
A verdade é que estive no topo dessa montanha nebulosa, encantadora e antiquíssima, mas, na verdade, ainda estou nela, e digo mais: sempre estarei. Meu plano era visitar, junto a Hans, o bom Joachim, e pra essa visita estipulei um mês ou dois talvez. Só que agora, ao fim da leitura, sei que minha estada no sanatório Berghof é vitalícia. Escalei a montanha, mas sinto que ela cresce cada vez que olho para as páginas do livro. Para contribuir com a numerologia da obra, de forma espontânea (sendo atrapalhada pela faculdade), acabei bizarramente por passar 7 meses a ler e reler as cenas ocorridas na montanha, mas sinto que no meio dessa contagem tiraram alguma peça do grande relógio do mundo, transformando 60 minutos em 60 anos, e 60 anos em 60 minutos.
Entre operationes spititualis, você vai de grandes tédios à grandes irritações, vivenciando o que os representantes de sua espécie estavam fazendo, mesmo que sejam as coisas mais medíocres possíveis, há mais de cem anos em cordilheiras distantes. Essa história, a história do nosso querido Hans, tem por um de seus objetos principais o tempo. Por que? Ora, o tempo é uma narrativa; ele é improvável ao mesmo tempo em que é provável. Ele 'é' sem nada 'ser'. O tempo é de certa forma como o mar; nunca, em momento algum, se está no mesmo lugar no mar agitado e, de igual modo, pode-se permanecer no mesmo local, como que por uma eternidade quando o vento se faz inexistente. A contradição entre a eternidade e a finitude está feita, e a monotonia e a excitação festiva do início do século 20 vêm junto, antecipando o que seria a era dos extremos. E, finalmente, mas não por fim, ao ler esse livro é preciso ter mente que a arte está em se aclimatar pelo "não-aclimatamento", afinal quem realmente se aclimata nessa existência, seja lá em baixo na planície, seja no topo de 7 nebulosas montanhas?!
?É como se algum espírito brincalhão tivesse disposto o mundo de tal forma que ao princípio do inverno começasse em realidade a primavera, e ao início do verão, o outono... Você tem a impressão de que lhe pregam uma peça, de que o fazem andar à roda, mostrando-lhe a perspectiva de um ponto onde se dará meia-volta. Falar em voltas quando se anda num círculo! Ora, o círculo consta de um sem-número de pontos em que se muda de direção. As voltas não podem ser medidas. Não há rumo que persista, e a eternidade não é uma linha reta, mas um carrosel?. Pg. 429