.Igor 11/04/2024
Quando pensei que tinha esgotado os textos guardados, encontro esse. Já tem um bom tempo e achei até que tivesse colocado aqui no Skoob. Então, depois de algumas edições, vou tentar consertar esse lapso pessoal.
Ouvi falar desse livro pela primeira vez por acaso, quando soube que Steven Spielberg iria dirigir um filme baseado nessa obra, algo um tanto obscuro baseado em jogos e tal. Não botei muita fé na qualidade do material, ainda mais por causa do nome original, "Ready Player One", parecia forçado, mas como o era o Spielberg que estava interessado nesse projeto, fiquei curioso; a curiosidade foi aumentando e então ontem (26/06/16) catei esse livro pra ler, acabando à pouco tempo (enquanto escrevo isso, ainda é 27/06/16, mas como escrevo devagar, não tenho a mínima ideia quando isso aparecerá por aqui). Ditas essas coisas, hora de começar o primeiro nível.
O ano é 2044, e as coisas na Terra estão muito feias. Uma crise energética sem precedentes destroçou a sociedade, que tornou-se ainda mais desigual e violenta. O meio ambiente finalmente ruiu graças aos abusos do ser humano, as paisagens fora dos centros urbanos que restam são cada vez mais desoladas. Formam-se pilhas com centenas de metros de altura, onde as pessoas abandonaram seus carros porque não conseguiam pagar pelo combustível. Muitas dessas pessoas passaram a morar em literais pilhas verticais de trailers sobrepostos, algumas com 400, 500 metros de altura, onde milhares viviam em locais que misturavam guetos, favelas e estacionamentos de trailers. Nós vemos esse mundo pelos olhos de Wade Watts, garoto órfão que mora com a tia em uma dessas pilhas. Para Wade, os únicos momentos em que ele realmente se sente vivo é quando está conectado à utopia virtual conhecida como OASIS.
OASIS funciona tanto como um MMORPG (sigla em inglês para RPG multijogador online massivo; é melhor usar a sigla) quanto como uma sociedade virtual, composto por centenas de milhares de mundos em um ambiente totalmente imersivo: ou seja, realidade virtual completa, onde o usuário, por meio de periféricos como um visor e luvas especiais, sente e age como se estivesse totalmente em algum dos mundos do jogo. Como é praticamente gratuito, a sociedade migrou em massa para ele, tanto que a moeda do jogo (créditos) tornou-se a mais estável do planeta, sendo usada em todo o mundo real também.
OASIS foi a criação revolucionária de James Donovan Halliday, o que o deixou quase trilionário. Halliday era um verdadeiro nerd/geek no melhor estilo Steve Jobs/Bill Gates, que começou fazendo jogos para videogames como o velho ATARI 2600. Ao morrer, não deixando nenhum herdeiro, todos ficaram ansiosos para saber quem herdaria toda sua fortuna e o próprio OASIS. E eis que, quando abrem seu testamento, Halliday diz que iniciará um concurso, um jogo dentro do OASIS: quem encontrar as três chaves corretas e abrir os três portões, terá acesso ao easter egg (surpresas e brincadeiras geralmente escondidas dentro de alguns jogos) supremo, se tornaria seu herdeiro e dono de tudo o que lhe havia pertencido, dos seus bens na vida real até seu jogo. Quem encontrasse esse "ovo", se tornaria a pessoa mais poderosa na face da Terra.
Como milhões de pessoas, Wade devotou sua vida estudando toda a vida de Halliday, que era apaixonado pela cultura pop dos anos oitenta. Todo aquele período estava inserido de alguma forma no OASIS e os "caça-ovos" tinham quase certeza que isso os levaria às chaves e ao grande prêmio. Mas quando Wade acidentalmente encontra a primeira chave, ele se vê em uma realidade em que jogadores matarão, na vida real se for preciso, para conseguir esse prêmio. Se inicia então uma corrida pela sua própria sobrevivência, e se Wade Watts quiser sobreviver e ganhar, ele terá que confrontar o mundo real do qual sempre esteve desesperado para fugir.
Pronto, acho que isso cobre grande parte do enredo sem dar nenhum spoiler.
Quando disse que Halliday era um nerd apaixonado pelos anos 1980, não estava exagerando. Ele deixou para quem quisesse ler um Almanaque com milhares de referências aos livros, programas de TV, filmes, músicas, HQs e videogames que fizeram sua infância fictícia nessa época, todos reais, e é claro que o Wade foi atrás de todos eles.
?Quando o assunto era minha pesquisa, eu nunca tomava atalhos ou simplificava as coisas. Nos últimos cinco anos, eu havia me ocupado de ler a lista inteira de recomendações dos caça-ovos. Douglas Adams, Kurt Vonnegut, Neal Stephenson, Richard K. Morgan, Stephen King, Orson Scott Card, Terry Pratchet, Terry Brooks. Bester, Bradbury, Haldeman, Heinlein, Tolkien, Vance, Gibson, Gaiman, Sterling, Moorcock, Scalzi, Zelazny. Li todos os livros de cada um dos autores preferidos de Halliday.
E não parei por aí.
Também assisti a todos os filmes a que ele se referia no Almanaque. Se fosse um dos favoritos de Halliday, como Jogos de Guerra, Os Caça-Fantasmas, Academia de Gênios, Minha Vida é um Desastre ou A Vingança dos Nerds, eu o assistia até memorizar todas as cenas.
Devorava cada um dos quais Halliday se referia como "As trilogias sagradas": as trilogias de Guerra nas Estrelas (as originais e as prequels, nessa ordem), O Senhor dos Anéis, Matrix, Mad Max, De Volta para o Futuro e Indiana Jones.
Também absorvi todas as filmografias de cada um de seus diretores prediletos: Cameron, Gillian, Jackson, Fincher, Kubrick, Lucas, Spielberg, Del Toro, Tarantino. E, claro, Kevin Smith.
Passei três meses estudando todos os filmes adolescentes de John Hughes e memorizando as falas de todos os diálogos.
Japão? Eu sabia alguma coisa sobre o Japão?
Sim, e como. Animes e live-action. Godzilla, Gamera, Star Blazers, Os Gigantes do Espaço e Força G. Go, Speed Racer, Go.
Ele ouvia tudo. Então eu também ouvia. Pop, rock, new wave, punk, heavy metal. Desde The Police a Journey, até R.E.M. e The Clash. Conheci tudo.
Eu memorizava letras de músicas. Letras tolas, de bandas como Van Halen, Bon Jovi, Def Leppard e Pink Floyd.?
Seria demais continuar essa citação, já que esse trecho em particular tem umas 10 páginas. Mas, tipo, muita coisa da minha vida cultural está descrita aí em cima: li grande parte dos livros de todos esses autores (e adoro todos eles); assisti tanto a todos esses filmes quanto às filmografias de todos esses diretores. Assisti e ainda assisto na horas vagas uma quantidade absurda de animes e live-actions japoneses (Godzilla sempre será o rei dos monstros). Cara, todas essas bandas e estilos musicais, eu os ouvi e ainda ouço. Ernest Cline, de alguma forma, me espionou a vida inteira e muita coisa que vi, li, ouvi, ele colocou nesse livro. Apesar de ter escapado dos anos 80 por pouco, essas coisas fizeram parte da minha infância e grande parte da minha adolescência de forma constante. Ler esse "Jogador Nº 1" foi um déjà vu vertiginosamente fantástico!
Mas tem uma coisa que tem que ser dita. Além de tudo isso, esse livro é uma carta de amor aos videogames. Sempre fui um gamer: seja nerd, cdf ou até rato de biblioteca (já fui chamado disso, me senti ancião na época), apenas para citar alguns, mais do que qualquer um desses rótulos culturais e tribais, talvez gamer e nerd sejam os que mais me definem. Mas é engraçado porque nunca fui viciado em games (sério), joguei e ainda jogo apenas para me divertir, e jogo de tudo (menos jogos de futebol, sou péssimo tanto na realidade quanto virtualmente), especialmente RPGs. Aí me deparo com esse livro, que se passa bastante dentro de um RPG online, mas tem uma sensibilidade gigantesca tratando das relações humanas, tanto e fora do OASIS.
E esse é um dos pontos mais altos dessa obra, que já são muitos: a forma como seus personagens são mostrados e tratados. Sim, eles podem ser até chamados de ultra nerds, mas são pessoas normais e o autor retrata a nossa "classe" de uma forma que nunca pensei ser possível. Acho que todos nós, sejamos nerds, geeks, gamers ou apenas viciados em livros, temos um pouco do Wade Watts e talvez seja por isso que esse livro é tão incrível. E como se não bastasse todas essas coisas, a prosa de Cline é genial!
Em todos esses anos, li pouca coisa tão épica e tão nerd como esse livro. E digo isso como o maior elogio possível! Cresci ainda na época em que ser nerd não era tão cool como é hoje em dia, quando temos até a variável geek, por exemplo; não era algo para se ter orgulho de ser chamado e era quase sempre utilizado como arma contra a gente. Consegui me esquivar um pouco desse pré-bullying quando por acaso entrei na equipe de basquete do colégio, acho que a mente pequena daquelas pessoas bugou: lembro que me disseram que como eu jogava basquete, não poderia ser nerd. Vai entender, mas essa história é para outro dia.
Então, sim, sou nerd, gamer, headbanger nas horas vagas, cinéfilo até a alma e eterno viciado em todo tipo de livro, e, talvez por tudo isso, ler "Jogador Nº 1" acabou sendo uma das melhores coisas que já fiz!