Guardia 08/07/2010
RESENHA: A Águia e a Galinha de Leonardo Boff
O Autor inicia o livro com o subtítulo: “Todo ponto de vista é um ponto”, onde escreve o instigante parágrafo: “Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura”.(p. 9). De uma maneira parecida, essa visão de que as várias leituras do mundo, feitas por diferentes escritores e leitores, depende da ótica de quem escreve ou de quem lê, é tratada no livro “Metodologia do Trabalho Científico” (Severino, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22.ed. ver. E ampl. São Paulo: Cortez, 2002. p. 23-45.). Neste livro, Severino coloca que para entender de forma aprofundada um assunto, é preciso conhecer o autor e o momento histórico no qual ele está inserido. Assim, da mesma maneira que para entender como alguém lê, é preciso entender como essa pessoa pensa, para entender como alguém escreve, é preciso entender quem é o escritor, visto que textos nada mais são do que a leitura de um autor sobre determinado tema. Assim, no próximo parágrafo, vamos conhecer um pouco Leonardo Boff.
Leonardo Boff é formado em Teologia e em Filosofia. Durante vários anos foi professor de Teologia Sistemática no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis. Durante muito tempo esteve à frente do editorial religioso da Editora Vozes. Junto com outros, ajudou a formular a Teologia da Libertação, gerando conflitos com a Igreja Católica e sendo proibido de dar aulas por um longo período. Mais tarde foi professor de Ética e Filosofia da Religião na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autor de mais de sessenta livros ligados à teologia, à filosofia, à espiritualidade e à ecologia, em sua grande maioria publicados pela Editora Vozes.
A fábula da Águia e da Galinha busca avivar a mais nobre das inquietudes humanas que é a eterna busca pelo seu real ser, e a mais preciosa das dádivas divinas: o livre arbítrio, a liberdade para viver segundo sua própria vontade, livre de quaisquer correntes fixadas por outrem. Seguindo esses preceitos, Leonardo Boff faz um convite aos leitores, desejando que cada um cristalize dentro de si a busca pela liberdade e pelo respeito das diferenças existentes em cada pessoa, em cada povo, em cada cultura. Nas palavras do autor: “Desejamos que águia sepultada desperte e voe, ganhando altura e ampliando os horizontes de sua releitura e compreensão de você mesmo e do mundo”. (p. 11).
No capítulo seguinte, Boff conta história de James Aggry, político e educador africano, a quem é atribuída a autoria da fábula “A águia e a galinha”. Aggry teria sido um grande opositor da colonização de Gana (país da África Ocidental), que se deu primeiramente pelos portugueses e depois pelos ingleses. Seu maior sonho era ver retomada e legitimada a cultura do seu povo ganense, inferiorizada e fragmentada pela cultura de seus colonizadores. Para ver seu país livre, Aggry tentava mobilizar o povo através da conscientização do imenso valor de suas heranças culturais. Boff contextualiza a história e a compara com a colonização sofrida por outros povos, como os indígenas das Américas. Fala também da colonização exercida nos tempos atuais pelos países desenvolvidos sobre outros países, em especial os de língua latina. Colonização essa exercida pelo chamado processo de globalização, que força a homogenização da cultura mundial: “Toda colonização – seja a antiga, pela invasão dos territórios, seja a moderna, pela integração no mercado mundial – significa sempre um ato de grandíssima violência. Implica o bloqueio do desenvolvimento autônomo de um povo. Representa a submissão de parcelas importantes da cultura, com sua memória, seus valores, suas instituições, sua religião, à outra cultura invasora.” (p. 21).
A libertação de Gana aconteceu depois da morte de James Aggrey, porém como herança de sua luta. Numa das reuniões de lideranças populares, Aggrey utilizou-se da fábula da Águia e da Galinha na tentativa de conscientizar os que se conformavam com a colonização da África e, também, aqueles que interiorizaram as idéias dos colonizadores, de que os africanos eram um povo inferior e que a presença dos colonizadores iria possibilitar a inserção da África no mundo tido como civilizado e moderno. Assim, em 6 de março de 1957, liderados por Kwame N´Krumah, discípulo das idéias libertárias de Aggrey, os ganenses deixarem de ser galinhas e retomaram sua condição de águias, sendo Gana o primeiro país Africano a proclamar sua independência.
O livro de Boff nos convida a ser águias. Na luta pela liberdade em seus vários aspectos. Na luta contra o que o próprio autor chama de “hamburguerização” e “rokclização” das culturas. Na luta contra a homegenização cultural forçada pelas potências que dominam o capital.
Infelizmente, essa homogenização ocorre num dos setores de maior concentração de massa humana em formação: a escola. Essa instituição prega a obediência e a docilidade do povo frente às classes dominantes. Na escola é valorizado o aluno bem comportado e disciplinado, que não discute e aceita passivamente todas as regras impostas, sem a busca do porquê. Não é ensinado que cada povo deve ser o agente de formação da sociedade em que vive, através de discussões da necessidade e do valor do conhecimento e da cultura que está sendo gerada: “- Irmãos e irmãs, meus compatriotas! Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus! Mas houve pessoas que nos fizeram pensar como galinhas. E muitos de nós ainda acham que somos efetivamente galinhas. Mas nós somos águias. Jamais nos contentemos com os grãos que nos jogarem aos pés para ciscar.” (p. 34).
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha, a metáfora da condição humana. 40 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
Resenha publicada no blog www.blogdoguardia.co.cc