Cafeína 05/05/2024
Apaixonante...
Esse sempre me pareceu a ovelha negra na literatura de Dostoievski, a obra que destoa da maioria, sendo mais leve e, sobretudo, menos profunda social e psicologicamente. São opiniões que eu sempre vi e cuja justificativa é de fácil rastreio, de modo que eu venho a tentar justificar e descobrir que encanto eu encontrei nessa novela.
A narrativa me conquistou tanto porque não enxergo o protagonista de forma romântica; é evidente que a narrativa se embriaga de um tom onírico que extravasa pela petersburgo, coroada por uma noite ensolarada através da qual umas almas perdidas perambulam; lembrei de imediato o Neil gaiman, ?as cidades têm personalidade?, e o protagonista procura essa personalidade da mesma forma que eu, passeado perdido olhando os prédios, conversando com eles e vivendo entre seus conterrâneos. O nosso sonhador, de labia poética e comportamento distante da realidade, destoa dessa realidade crua, realista, é um homem inflamado de paixões, do tipo que qualquer pessoa com a imaginação exercitada vá se colocar no lugar, ainda mais um leitor. Sonhos são fáceis de se romantizar, é preferível viver nos devaneios do que encarar a realidade, e nisso o personagem se isola do mundo, se afasta dos seus irmãos, se distingue da realidade e, assim, abandona sua vida, sem nem mesmo tê-la vivido. É uma condição difícil de se explicar e mais complicada ainda de se esquivar, a de se viver mais dentro da própria cabeça que no mundo; tolo e entusiasmado, vulnerável a derramar toda a paixão que ele tem para si na primeira oportunidade que encontra, o destino do nosso sonhador não poderia ser outro senão bater de frente com a realidade como ela é, mas ainda assim eu não consegui deixar de sentir nele um certa inocência, quase como se ele não tivesse culpa de ter escolhido tal cárcere, no fim ele é outra criança que precisa sonhar, que nunca foi ensinado a viver no mundo real. O sonhador não é um personagem tipicamente romântico, ele é justamente uma pessoa, tentando ser e viver esse romance.
Por fim, eu ainda acho que, para além disso, é uma narrativa sobre, mais do que uma ideia, um sentimento, aquele específico sentimento de estar sozinho em um lugar que normalmente está abarrotado, aquela sensação do silêncio da madrugada, de jogar conversa fora já meio embriagado de sono, a sensação de vagar pela cidade sem rumo e sentir alguma paz por estar sozinho e poder sonhar.