Roberto Soares 25/03/2021“Nós somos esta matéria de que se fabricam os sonhos, e nossas vidas pequenas têm por acabamento o sono.”
Supostamente a última peça de William Shakespeare, “A Tempestade” pode ser pensada como a despedida do dramaturgo dos palcos. “Supostamente” porque, quando o assunto é Shakespeare, pouco há de certezas, principalmente no que concerne a datas. Trata-se de uma comédia, ou seja, uma história que acaba bem (não necessariamente com o fim de ser engraçada, que é o que conhecemos como “comédia” hoje, embora eu tenha dado muita risada lendo isso).
Como personagem principal temos Próspero, ex-duque de Milão que fora traído pelo próprio irmão e teve seu ducado usurpado, sendo enviado para a morte em um navio precário junto com a filha pequena, Miranda. Porém, graças à Fortuna, ele consegue desembarcar com segurança em uma ilha habitada unicamente por Caliban, filho da poderosa bruxa Sicorax. De aparência mosntruosa, Caliban inicialmente é tratado com benevolência por Próspero, mas eis que, anos mais tarde, ele revela um caráter pérfido ao tentar estuprar Miranda, passando a ser castigado e tratado como escravo pelo pai da moça. O ex-duque passa a se aprofundar em estudos sobrenaturais e se torna um grande feiticeiro, alcançando o posto de senhor da ilha pelos seus poderes. “Senhor” porque, afinal, a ilha não era habitada apenas por Caliban, mas também por Ariel, um espírito que fora aprisionado por Sicorax e libertado por Próspero, passando a servir de olhos e ouvidos do senhor da ilha, além de se tornar o mediador entre o feiticeiro e as demais entidades do lugar, como outros espíritos, ninfas e até os próprios deuses.
A história começa em um navio onde estão todos aqueles que participaram da traição da qual Próspero fora vítima, e este, fazendo uso de sua magia, provoca uma terrível tempestade que faz com que o navio e toda a sua tripulação vão parar justamente na ilha do feiticeiro, que passará então a executar, com a ajuda de seus poderes e de Ariel, sua vingança contra os traidores.
Podemos pensar que os principais temas da peça são: traição, vingança, poder, magia, justiça, redenção e a distinção entre realidade e ilusão. Bem, todas são questões que já apareceram nas obras anteriores de Shakespeare, e aqui se mesclarão em um enredo só. É uma peça em todo equilibrada: embora sejam mil coisas acontecendo ao mesmo tempo, o cerne da ação é único, e há poucas mudanças de cenário e os personagens são bem delimitados. Na verdade, é como se na sua última criação, o dramaturgo quisesse fazer uma compilação das suas marcas predominantes e mais aperfeiçoadas ao longo do tempo, justamente nosssas favoritas, o que torna “A Tempestade” indispensável para quem, assim como eu, é apaixonado pela engenhosidade do maior dramaturgo de todos os tempos.