Marlon.Machado 13/02/2018
18 trechos do Ulysses de James Joyce
Esse merece um top de 5 segundos: toooooooooooOOOoooOOOooOOOooooOOoooOOOp.
Finalmente terminei de ler esse tijolo que tem mais de 1100 páginas! “Ulysses” e também o guia de leitura escrito pelo tradutor (“Sim, eu digo sim”, por Caetano Galindo, recomendadíssimo) que tem umas 360. Foi uma verdadeira odisseia mas…
Valeu à pena?
SIM.
Mudou minha vida?
Com certeza.
É o melhor livro que já li?
Provavelmente.
Recomendaria a todo mundo?
Nunca. Só a quem tiver mesmo muito interesse e sentir que se identifica de verdade.
A seguir trechos dos 18 episódios, a quem possa interessar.
Parte I — Telemaquia
EP. 1 TELÊMACO (pág. 111)
“Secreta e velha, entrara vinda de um mundo matinal, quem sabe uma mensageira. Louvava a virtude do leite, vertendo. Agachada ao lado de uma vaca paciente na aurora do campo opulento, uma bruxa em seu cogumelo, velozes os dedos enrugados nas tetas que espirravam. Mugiam em volta dela, sua conhecida, gado sedosorvalhado. Seda da grei e pobre velhinha, nomes que ganhara nos tempos antigos. Uma velhusca errante, forma rebaixada de um imortal servindo seu conquistador e seu alegre traidor, ambos adúlteros seus, ela, núncio da manhã secreta.”
EP. 2 NESTOR (pág. 138)
“— Os caminhos do Criador não são os nossos, o senhor Deasy disse. Toda a história humana se conduz a um único fim grandioso, a manifestação de Deus.
Stephen esticou o polegar para a janela, dizendo:
— Isso é Deus.
Urra! Ei! Vhrrvhi!
— O quê? o senhor Deasy perguntou.
— Um grito na rua, Stephen respondeu, dando de ombros.”
EP. 3 PROTEU (pág. 148)
“Seus pés marcharam em súbito ritmo orgulhoso sobre os sulcos de areia, seguindo pelos pedregulhos da parede sul. Encarava-os orgulhoso, crânios pétreos e gigantes empilhados. Luz ouro sobre o mar, sobre areia, sobre pedras. O sol está lá, as árvores esguias, as casas limão.
Paris cruamente despertando, crua a luz do sol em suas ruas limão. […]”
Parte II — Odisseia
EP. 4 CALIPSO (pág. 164)
“O senhor Bloom observava curioso, carinhoso, a maleável forma preta. Limpo de se ver: o brilho da pelagem luzidia, o tufo branco embaixo do rabo, os olhos verdes lampejantes. Ele se curvou até ela, de mãos nos joelhos.
— Leite pra gatinha, ele disse.
— Mrqnhao! a gata gritou.”
EP. 5 LOTÓFAGOS (pág. 185)
“Onde é que estava o sujeito que eu vi naquela foto em algum lugar por aí? Ah é, no mar morto, boiando de costas, lendo um livro com um guardassol aberto. Você não consegue afundar nem que tente: de tão grossa de sal. Porque o peso da água, não, o peso do corpo na água é igual ao peso da. Ou será que é o volume que é igual ao peso? É uma lei mais ou menos assim.”
EP. 6 HADES (pág. 242)
“O senhor Bloom passava sem ser visto em seu bosque por anjos entristecidos, cruzes, pilares partidos, mausoléus de família, esperanças pétreas rezando com olhos voltados ao alto, as mãos e os corações da velha Irlanda.”
EP. 7 ÉOLO (pag. 253)
“Sllt. O cilindro inferior da primeira das máquinas projetou sua bandeja com sllt a primeira fornada de mãos de jornais dobradas. Sllt. Quase humano o jeito que ela fica slltando pra chamar atenção. Fazendo o melhor que pode pra falar. Aquela porta também estava slltando quando rangia, pedindo pra ser fechada. Tudo fala à sua maneira. Sllta.”
EP. 8 LESTRIGÕES (pág. 293)
“Se você entupir um peru, digamos, com castanhas ele vai ficar com o gosto delas. Coma porca e vire porco. Mas e aí como é que pode ser que peixe de água salgada não é salgado? Como é que pode?”
EP. 9 CILA E CARÍBDIS (pág. 340)
“As pessoas não sabem o quanto as canções de amor são perigosas […] Os movimentos que operam as revoluções no mundo nascem dos sonhos e das visões no coração de um camponês nas encostas de um morro.”
EP. 10 ROCHEDOS ERRANTES (pág. 386)
“O padre Conmee pensou nas almas dos negros e pardos e amarelos e em seu sermão sobre São Pedro Claver, S. J., e a missão africana e na propagação da fé e nos milhões de almas negras e pardas e amarelas que não tinham recebido o batismo da água quando seu último momento chegou como um ladrão no meio da noite. […] Eram milhões de almas humanas criadas por Deus a Sua semelhança a quem a fé não tinha (D. V.) sido trazida. Mas eram almas de Deus criadas por Deus. Ao padre Conmee parecia uma pena que devessem ser todas perdidas, um desperdício, se é que se pode falar assim.”
EP. 11 SEREIAS (pág. 464)
“A orelha dela é uma concha também, o lóbulo surgindo ali. Esteve na praia. Meninas da praia. Bronzeada em pele viva. Devia ter posto um creme primeiro pra ficar dourada. Torrada com manteiga. […] Enfebrada em volta da boca. Sua cabeça toda. Cabelo trançado por cima: concha com algas. Por que elas escondem a orelha com o cabelo de algas? E as turcas a boca, por quê?”
Curiosidade sobre o episódio (fonte: Wikipédia) — Quando James Joyce o enviou da Suiça, onde vivia, para a Inglaterra, para a primeira edição do romance, decorrendo a I Guerra Mundial, o episódio foi retido por suspeitas de encobrir alguma mensagem secreta, contando-se que foi entregue a dois escritores famosos que nele não viram mais do que uma excentricidade literária bastante invulgar.
EP. 12 CICLOPE (pág. 534)
“O amor ama amar o amor. A enfermeira ama o novo farmacêutico. O guarda 14A ama Mary Kelly. Gerty McDowell ama o menino que tem uma bicicleta. M. B. ama um belo cavalheiro. Li Chi Han amô bê ji nho Cha Pu Chow. Jumbo, o elefante, ama Alice, a elefanta. O velho senhor Verschoyle da corneta acústica ama a velha senhora Verschoyle do olho zarolho. O homem da capa mackintosh marrom ama uma mulher que está morta. Sua Majestade o Rei ama Sua Majestade a Rainha. A senhora Norman W. Tupper ama o policial Taylor. Você ama uma certa pessoa. E essa pessoa ama aquela outra pessoa porque todo mundo ama alguém mas Deus ama todo mundo.”
EP. 13 NAUSÍCAA (pág. 557)
“Estava usando o conjuntinho azul para dar sorte, com uma esperança que quase se sabia vã, sua própria cor e a cor da sorte para noivas também para usarem um pouquinho de azul em algum lugar porque o verde que usara na semana passada lhe trouxera mágoa porque o pai dele o chamou para dentro para estudar para a bolsa do propedêutico e porque ela achava que talvez ele pudesse estar na rua porque quando ela estava se vestindo pela manhã ela quase vestiu o conjuntinho usado pelo avesso e isso dava sorte e era para encontros amorosos se você veste essas peças de roupa pelo avesso desde que não fosse sextafeira.”
EP. 14 GADO AO SOL (pág. 643)
“Qual a idade da alma do homem? Como tem ela a virtude do camaleão de mudar sua tez a cada nova aproximação, de ser alegre com os contentes e prantear com os deprimidos, assim também é sua idade mutável como seu humor. Não mais é Leopoldo, sentado ali, ruminando, mascando o remoalho da reminiscência, aquele sóbrio agente publicitário e proprietário de pequena soma em títulos da dívida pública. Ele é o jovem Leopoldo, como que em um arranjo retrospectivo, um espelho dentro de outro espelho (opa, abracadabra!), ele contempla a si próprio.”
EP. 15 CIRCE (pág. 738)
“Bloom a abraça com força e dá à luz oito filhos amarelos e brancos. Eles surgem em uma escadaria atapetada de vermelho e enfeitada com plantas caras. São todos bonitos, com valiosos rostos metálicos, bemproporcionados, vestidos respeitavelmente e com bonsmodos, falam cinco línguas modernas com fluência e se interessam por diversas artes e ciências. Cada um tem seu nome impresso em letras legíveis no peito da camisa: Nasadoro, Goldfinger, Chrysostomos, Maindorée, Silversmile, Silberselber, Vifargent, Panargyros. São imediatamente nomeados para cargos públicos de confiança em vários países como gerentes de bancos, tráfego em ferrovias, presidentes de companhias de risco limitado, vicepresidentes de redes de hotelaria.”
Parte III — Nostos
EP. 16 EUMEU (pág. 932)
“As pessoas suportavam ser mordidas por um lobo mas o que realmente as irritava era uma mordida de ovelha.”
EP. 17 ÍTACA (pág. 950)
“O que na água Bloom, aguamante, extrator de água, aguatransportante, retornando ao fogão, admirava?
Sua universalidade: sua equanimidade democrática e constância a sua natureza ao buscar seu próprio nível: sua vastidão no oceano da projeção de Mercator: sua profundidade insondada na fossa de Java no Pacífico que excede 8000 léguas: a inquietude de suas ondas e partículas de superfície que visitam alternadamente todos os pontos de seu litoral […] suas fauna e flora submarinas (anacústicas, fotófobas), numericamente, se não literalmente, os habitantes do globo: sua ubiquidade por constituir 90% do corpo humano: a nocividade de seus eflúvios em alagadiços salobros, pântanos pestilentos, água de flores fenecida, poças estagnadas à lua minguante.”
EP. 18 PENÉLOPE (pág. 1062)
“[…] Senhor eu preciso me esticar queria que ele estivesse aqui ou alguém pra eu me soltar junto e gozar de novo daquele jeito eu estou me sentindo inteira pegando fogo por dentro ou se eu conseguisse sonhar com quando ele me fez gozar a segunda vez me cutucando por trás com o dedo eu gozei por uns 5 minutos com as pernas em volta dele eu tive que abraçar ele depois ah Senhor eu queria gritar tudo quanto é coisa caralho ou merda ou qualquer coisa mesmo só pra não ficar feia ou aquelas rugas da tensão vai saber como é que ele ia encarar uma coisa dessa tem que ir aos pouquinhos com os homens eles não são tudo que nem ele graças a Deus […]”
Curiosidade sobre o episódio (fonte: Wikipédia) — Neste episódio, o do monólogo de Marion Bloom, Joyce atingiu o auge da sua arte extraordinária. Arnold Bennett, em the Outlook, referiu que nunca lera nada que o superasse e duvidava que jamais se voltasse a escrever algo que o igualasse. Segundo Palma-Ferreira, que citou o anterior, este monólogo é uma obra-prima da ficção moderna e um marco inultrapassável na história da narrativa em prosa.
site: https://perchenonparli.wordpress.com