Andre.Pithon 08/12/2023
4.5
O capítulo 30 é uma experiência perfeita de leitura, e um microcosmos que representa o livro inteiro. Nele, Maya é levado pelo pai para a fronteira do México, onde ele por um tempo entretém a filha, apresenta para os amigos, se deleitam com o espanhol truncado que ela sabe. Mas ele logo some, indo trair a madrasta com uma local e abandonando a filha no desconhecido, que se refugia no carro. O pai volta bêbado, desmaia no veículo. Maya mal consegue se comunicar adequadamente com as pessoas. Ela resolve espontaneamente aprender a dirigir, e atravessa o deserto noturno. É uma passagem linda, que alterna de tom furiosamente, uma montanha russa de emoções adolescentes, alegria, liberdade, júbilo, confusão, medo, alívio, desespero, horror, tranquilidade. Bonito em sua simplicidade, e a escrita de Angelou transporta sua mente para a cena, e constrói um ritmo invejável.
Nem todo livro é tão bom, mas sempre é bom. Uma coleção de memórias, retratam uma realidade estadunidense de racismo e opressão, alternando entre o horror da gaiola e a beleza do cantar, nunca te preparando para o que vem a seguir, pois sempre vem algo a mais. Quase uma autobiografia, "Eu sei por que o pássaro canta na gaiola" é escrito por uma voz que se lembra de passar por aquelas tragédias, e consegue retratá-las com humanidade e cativante simplicidade.
Algumas cenas são comuns, algumas cenas são lindas, algumas desconfortáveis, algumas passam tão rápido por tudo isso que torna-se paradoxal saber como se sentir. Tom de conversa, de confissão, de verdade.
Saber pouquíssimo sobre a vida de Maya Angelou torna a experiência ainda mais poderosa, permite que a experiência venha num fluxo de momentos surpreendente, inesperado, sempre incapaz de prever as guinadas que a história vai tomar, POR MAIS ÓBVIAS QUE ELAS SEJAM. Não há nenhum evento implausível ou exagerado aqui, tudo é mundano, tudo já apareceu em mil história, mas é feita com tamanha maestria que o comum se mostra estranhamente forte. Como na vida, tais eventos vem quando menos esperamos por eles.
Um livro que parece escrito sem esforço, em uma conversa eterna, em um ouvir adorável, que se desdobra sem vergonha de nada, de nenhum momento, nunca. Excelente.