spoiler visualizarAlicia 24/02/2021
Leitura realizada em 2020.
O livro de Margaret Atwood traz a narrativa de Grace Marks que foi condenada junto com John McDermontt pelo assassinato de Kinnear Montgomery e Nancy Montgomery que ocorreu em 23 de julho de 1843.
Trata-se de uma história de ficção baseada em um crime que realmente aconteceu no Canadá. A autora realizou uma vasta pesquisa sobre o crime e escreveu seu livro com toques reais e adaptou de acordo com a sua imaginação as lacunas da história.
Devo dizer que gostei bastante, visto que é tudo muito bem fundamentado.
O crime ocorreu em julho de 1843 e o julgamento foi realizado em começo de novembro. Somente o assassinato de Kinnear foi julgado, pois os dois acusados, nesse momento, foram condenados a mortes e não foi necessário o julgamento do assassinato de Nancy. Em 21 de novembro McDermontt foi enforcado diante de uma multidão, porém a culpa de Grace dividia opiniões visto que muitos achavam que por ela ter apenas 16 anos, fora manipulada por McDemontt e que não tinha culpa efetivamente de nada.
Diante disso, seu enforcamento foi revogado e ela foi condenada a prisão perpétua.
O livro começa com a Grace em uma penitenciaria.
Pelo detalhamento da pesquisa da autora, na época era comum que as presas ajudassem nas propriedades, este era o caso de Grace. Assim, ela passa o dia na casa do governador, que seria o diretor da penitenciaria. Ela costurava, servia aos convidados, ajudava nos afazeres da casa e de noite retorna para dormir em sua cela.
Mesmo depois de Grace ser julgada e condenada a permanecer presa até a morte, ainda muito se fala sobre o caso, na medida em que muitos acreditavam na inocência da moça.
Um deles é o reverendo Verrenger que faz alguns contatos e recebe a indicação do médico Dr. Simon Jordan. O Dr. visita Grace e inicia uma pesquisa através de muitas conversar para tentar descobrir como tudo se deu para tentar desvendar essas dúvidas.
Nos relatos oficiais, Grace afirma ser culpada, porém, mais tarde, ela alega ter muitos lapsos de memórias, diz não se lembrar de muitas coisas sobre o dia dos assassinatos e que as suas alegações de culpa foram induzidas pelo seu advogado e que na verdade não se recorda de quase nada. Afirma que só disse o que seu advogado disse que deveria dizer.
Isso tudo gera muitas dúvidas a respeito da sua participação nos assassinatos.
Teria sido ela induzida por McDermontt?
Teria ela uma dupla personalidade?
Teria ela um espirito do mau dentro dela?
O que justifica os lapsos de memória?
Estaria ela falando a verdade sobre a amnésia?
Estaria ela se fazendo de louca para se salvar da forca?
Antes de ela estar nessa prisão ela esteve em hospícios e manicômios até chegar onde se encontra.
O Dr. Simon inicia o contato com Grace e temos inicio aos seus relatos.
Grace inicia sua história contanto:
- Como era a vida na Irlanda com seus pais e irmãos;
- Do que os levou a se mudarem para o Canadá;
- De como foi a viagem de navio com sua família;
- Da chegada ao Canadá e das dificuldades enfrentadas no começo;
- Do seu primeiro emprego e da amizade com Mary Whitey;
- De como foi mudando de emprego até surgir a oportunidade de ir trabalha na casa do Sr. Kinnear;
- De como Nancy era, como a tratava e como agia sendo apenas a governanta da casa do Sr. Kinnear e também sua amante;
- Da sua relação com o McDermontt e de como ocorreu tudo até o dia dos assassinatos;
- Relata como ocorreram os crimes e do que ela se lembra;
- Fala de como foram capturados pela polícia depois dos crimes, durante a fuga;
- E por último, explica como fora tratada em todos os lugares por que passou até chegar na penitenciaria.
É importante dizer que são relatos misturados, hora Grace narrando, depois temos Simon narrado um pouco sobre sua vida pessoal, depois sobre o local em que ele está instalado e a sua relação com a senhoria do local. Temos também a troca de cartas do Dr. Simon com alguns amigos e com sua mãe.
O livro aborda muitas questões interessantes, tais como: os manicômios, a loucura, o subconsciente, a histeria, alma X corpo, sonho X realidade
Temos ainda a hipnose presente, onde entra a grande questão do: espiritual X ciência.
Levanta-se a possibilidade de que Grace poderia ter uma dupla personalidade, na perspectiva cientifica (o que era pouco estudado e quase nada conhecido nesse momento), ou ainda a possibilidade de uma possessão religiosa.
Tudo isso era algo muito novo e desconhecido. As pessoas não tinha clareza disso então pensava-se dentro do que se tinha alcance nesse momento.
Todas essas questões perpassam o livro e entram na análise de até que ponto Grace Marks teria consciência real do que fez. Porque algumas testemunhas afirmaram algumas coisas das quais ela diz não se lembrar. Será que ela realmente não se lembra ou estaria fingindo?
Trata-se de um caso real que gerou muita discussão em seu tempo porque foram levantadas questões ainda obscuras para o entendimento humano.
Em uma passagem temos a seguinte frase:
“Como e eminente filósofo cientista francês Maine de Biran dissera, havia um Mundo Novo inteiro a ser descoberto, para o que é necessário ‘mergulhar nos subterrâneos da alma’. O século XIX, ele conclui, seria para o estudo da mente o que o século XVIII fora para o estudo da matéria – uma Era de Iluminismo”. (Capítulo 34).
Ou seja, trata-se de uma temática que te faz pensar questões que foram discutidas historicamente e que te faz entender o processo de evolução da mente humano no mundo. Ainda há muito o que se descobrir ainda hoje, agora você imagina em 1860!
O livro nos traz uma história, em essência, real e que fora preenchida conforme a autora achou mais conveniente e termina de um jeito que eu gostei apesar de deixar em aberto.
Digo que a história fica em aberto porque a Margaret pressupõe o que aconteceu, mas realmente o que se deu a gente não tem como saber, porque Grace recebeu o devido perdão depois de quase 29 anos, foi solta, mudou de nome e foi viver a sua vida.
Enfim, é isso, gostei bastante dessa leitura, gosto muito dessa contextualização de tudo e da riqueza dos detalhes e indico.
Algumas pessoas podem achar um pouco parado, porque isso é mesmo, mas pra mim isso não foi um problema, porque ao meu ver é um processo de construção da narrativa, tem gente que gosta e tem gente que não gosta e tá tudo bem, cada um tem seu estilo.
Outra coisa também que gosto, é deste processo de intercalar personagens e é um estilo que me agrada.