stsluciano 20/10/2012
Um dos melhores livros do ano.
Resenha publicada originalmente em: http://www.pontolivro.com/2012/10/selvagens-resenha-076.html
Imaginem que Palahniuk se encontre, por acaso, com Tarantino. Imaginem que se sentem em uma mesa de um lugar qualquer e, conversa vai e vem, claro decidem escrever um livro. Agora, por fim, imaginem um livro escrito na prosa cadente e ritmada de Palahniuk com toda a genialidade violenta de Tarantino. Agora parem de imaginar e leiam Selvagens, pois o livro é tudo isso.
Nos vinte e seis anos que passei em outro mundo pois sim, esta é a única explicação que tenho para não ter lido nada de Don Winslow até aqui, e nem mesmo conhecer seu nome! perdi muita coisa.
Certamente perdi diversas oportunidades de ler um autor que não se preocupa com adequar sua obra a uma estrutura formal, no tradicional ponto final ao fim da frase, vai pra outra linha, parágrafo. Pra que terminar uma frase com um ponto? Por que não misturar falas com pensamentos e trechos soltos em uma frase? Por que justificar tudo se fica tão mais bonito e despretensiosamente estiloso alinhar alguma coisa à esquerda sem um motivo aparente; ou ainda introduzir na narrativa alguns trechos como se fossem um roteiro de cinema?
O melhor de Winslow e seu texto é que ele não soa pensado, calculado, é tudo natural, como uma grande viagem e eu me surpreenderia se não o fosse! e aí um resenhista fica em maus lençóis por, mais uma vez, não conseguir falar sobre o maldito livro.
Ben, Chon e O. são amigos. Ben e Chon são traficantes que produzem a melhor erva de Laguna Beach. O., de Ophelia, faz compras. Como em toda amizade que dá muito certo, Ben e Chon se complementam: Ben, filho de psiquiatras, é ponderado, ambientalista, e filantropo, que passa um bom tempo em países de terceiro mundo, construindo hospitais, escolas e etc. Chon é um ex-fuzileiro, esteve na guerra nos Istões, como ele diz: Paquistão, Afeganistão, etc é reservado, contido, e pronto pra matar é um ex-fuzileiro, oras, e Ben diz que ele é o tipo de pessoa que se diria que foi criado por um casal de lobos, isso se os lobos não fossem mamíferos carinhosos. Se conhecem jogando vôlei, se dão bem e decidem unir esforços: Ben é formado em Botânica e Marketing; Chon tem algumas sementes da melhor maconha que se pode encontrar nos Istões, e um dedo sempre disposto a apertar um gatilho.
O. completa a si mesma na companhia dos dois, a quem chama de meus dois homens, em todos os sentidos, enquanto ainda mora com a mãe, a quem chama de Rupa Rainha do Universo Passiva-Agressiva e com quem mantém uma relação de amor e ódio que acaba se tornando um tanto cômica.
Ok. Junte duas pessoas boas no que fazem, e que compartilhem os mesmo interesses e tudo dará certo. Ben e Chon fazem muito dinheiro, fidelizam a clientela com um produto de primeira mérito de Ben e concorrentes que tentam barrar seu progresso são tratados como se deve mérito de Chon. Até que um cartel mexicano conhecido por decapitar seus desafetos entra em contato, querendo fazer negócios.
Aqui, Winslow traça um interessante panorama da guerra do tráfico que assola o México, desenhando uma linha de evolução do surgimento dos primeiros cartéis, a guerra pelo poder, até a ida de um braço do Cartel de Baja para os Estados Unidos a fim de expandirem seus domínios uma vez que o competitivo e sangrento mercado mexicano não rende mais as fortunas de antes. Você pode apenas adivinhar que as coisas se deram daquela maneira, e o texto com tom de reportagem investigativa que Winslow assume neste trecho te convence de que é mesmo verdade, mas de qualquer forma, e verdade ou não, não influem no andamento do livro.
O problema é que quando um cartel como de Baja te chama para negociar, esta não é bem a palavra certa: eles dirão o que querem, você diz que sim e mantém sua cabeça sobre o pescoço. Ben e Chon relutam em aceitar, não querem sócios, preferem se desfazer do negócio, e O. acaba sequestrada.
A partir daqui a história do livro em si se desenrola. O que antes era apenas uma apresentação de personagens e construção de ambientação geográfica e histórica e se o livro ficasse apenas nisso não seria nem um pouco tolo de reclamar se transforma em uma guerra silenciosa para reaver O. enquanto Ben e Chon evitam que ela, literalmente, perca a cabeça.
Acho incrível quando um autor cria personagens tão diferentes que mesmo assim conseguem se relacionar de forma semelhante com o leitor. Se você se pergunta quem são os selvagens do livro, nele encontrará duas repostas que podem ser traduzidas em uma só: Ben e Chon sabem o tamanho da encrenca que, sem querer, se metem, quando o Cartel de Baja bate à sua porta, e Chon deixa claro que eles não são de brincadeira, e fazem o que for preciso para ter em mãos o que querem, pois são selvagens. Helado, o Lado, um dos chefes do Cartel de Baja nos Estados Unidos diz que selvagens são os americanos e seu modo de vida, como Ben e Chon, que compartilham a mesma mulher, O.
Sendo assim, com ambos se considerando selvagens, não seríamos selvagens todos nós? Creio que sim. Mas é importante dizer que mesmo enquanto Selvagens, Ben e Chon fazem o que podem e se arriscam para salvar O. Assim como Elena, La Reina, a chefe do Cartel de Baja, assumiu a direção da organização para manter vivo os filhos. É como dizem, mesmo os brutos amam.
O livro tem o mérito de dar voz não somente ao seu autor. Mais que isso, através de suas duras críticas - um tanto ácidas na maioria das vezes Winslow dá voz aos seus personagens que, por sua vez, emulam o sentimento americano em questões como imigração, tráfico de drogas, política e religião, preconceito racial. Winslow fala de tudo sem se preocupar em não agradar ou ser politicamente correto: Bush, por exemplo, é o Fantoche de Pano, e Obama um imigrante desempregado.
Pra finalizar, o livro foi adaptado para o cinema. Daí nos vem aquela incerteza e preocupação: o que será que farão com um livro tão bom? Ficará a altura? Não sei, mas um bom sinal é o fato de que foi dirigido por Oliver Stone, o gênio por trás de Reviravolta (U Turn) um dos melhores filmes que já assisti, com Sean Penn no papel principal e o Nick Nolte ainda bonitão. Se Selvagens seguir aquele padrão fico satisfeito.
Enfim, quem ler o livro o faça antes de assistir ao filme terá uma preciosidade em mãos. Coloco Winslow hoje no mesmo pedestal que coloquei Palahniuk. É bonito por ser diferente do que se vê, daquilo que o mercado pede mesmo que você não consiga explicar esta diferença mas não quer dizer que todo mundo também o ache. Mas espero, sinceramente, que consigam apreciá-lo como se deve.