Lau 03/05/2024Como canoa em água fundaNessa vida, tudo passa. Flutuamos pela água serena do rio, que nunca é o mesmo, e perturbamos a sua superfície apenas um pouco, para depois aquietar novamente e o curso continuar com o ritmo de sempre
"Água funda" é um romance precursor do realismo mágico e talvez por isso, mas não só, me lembra muito "Cem anos de solidão". Não são iguais, nem de longe. Ruth Guimarães tem um estilo próprio e uma linguagem completamente diferentes e intimistas, com uma tranquilidade inquietante - parece paradoxal - que coloca personagens reais demais num mundo que não se sabe se é mais real que místico ou mais místico que real. Ao contrário do Gabo, que é maravilhoso, mas em seu romance tudo é muito fantástico e não sentimos proximidade, em nosso idioma, com a oralidade local
Mas o que me faz mesmo comparar as duas obras é o senso de passagem do tempo, que vai e leva tudo, independentemente de quantas gerações tentem perpetuar uma família, como em "Cem anos", ou uma comunidade, como em "Água funda". Temos alguns personagens tão interessantes e muitas coisas acontecem com eles que mudam os rumos desse microcosmo, mas no fim todos caminham para a mesma tragédia (diz Antonio Candido, numa das críticas). O fim de cada um deles é a solidão. E o tempo, vai passando, torna lenda, deixa pra trás sem dó...
Permeada por um clima de maldição - a "praga" - e narrada por um personagem desconhecido, a leitura acaba se tornando misteriosa e instigante. Fiquei me perguntando como ele (ou ela) consegue saber de tudo se parece gente de carne e osso. Minha hipótese é que o narrador é um gigantesco fofoqueiro. Eu diria, porém, que ele deixa a primeira parte, da Sinhá, mais instigante que a segunda. O Joca é um chato de galocha e, infelizmente, é um dos protagonistas. Só por isso dei 3,5 estrelas
Gostei do livro e já quero conhecer "Os Filhos do medo" da mesma autora. Dá vontade de ir a fundo nos seus estudos sobre o folclore do Vale do Paraíba. Por causa dela, agora tenho medo da Mãe de Ouro haushs