Christiane 05/08/2021
Logo após ler Torto Arado li Água Funda, e são dois livros fundamentais para se compreender a vida nas fazendas pelo viés do trabalhador, e não dos fazendeiros e suas sinhás e sinhôs.
Ruth Guimarães nos relata a vida em uma fazenda no Vale do Paraíba, na divisa de São Paulo com Minas Gerais. É a vida caipira da região e dos ex-escravizados do tempo do café.
Passei toda minha infância nesta região, então reencontrei muito do que já conhecia, a linguagem, as crenças, as comidas, o jeito de viver do caboclo.
Muitos chamam de literatura fantástica, eu sinceramente penso que se trata da cultura, do folclore e de crenças que como disse Itamar de Torto Arado, prefiro chamar de religião. O caboclo é supersticioso, acredita em assombração, em pragas, em maldição. É cultural isto. A mãe de ouro, a mãe d'água, a Iara, a sereia, é o folclore que no surge e Ruth nos relata como ele se insere na vida destas pessoas.
Temos duas histórias principais, a da Sinhá Carolina e a de Joca. Este último se vê enfeitiçado pela Mãe de Ouro, o que se equivale ao encantamento das sereias que levam os homens para o fundo do mar. Só que no caso dele foi o deboche que lhe trouxe a praga, a maldição, mas ele já estava enfeitiçado antes.
A autora consegue trazer a linguagem cabocla sem caricaturar, sem forçar, a falada mesmo, a que ela mesma ouviu. Apesar da pobreza geral ela não força nisto, mas na vida deles, e o matuto sabe também ser feliz, porém é claro que poderia ter a vida melhorada. Mas há uma denúncia sobre o recrutamento dos trabalhadores para ir para o sertão, iludindo-os com um ganho maior, o que não passa de uma cilada, uma vez que lá eles são tratados piores que os escravizados. Infelizmente ainda vemos casos assim, do trabalho escravo em fazendas.
É também a história do Vale e suas fazendas, que primeiro pertenceram a coronéis, e depois foram as empresas, a Companhia, que assumia, mas de nada valeu para os trabalhadores, que continuaram sem ganhos extras ou melhorias.
Ruth Guimarães nos traz um belíssimo livro sobre este povo que vive nas fazendas e nas pequenas cidades do Vale do Paraíba.