Marc 16/01/2022
Os livros de Lewis costumam me deixar com vertigem. Não sei se é uma sensação compartilhada por outros, mas eu sempre tenho dificuldade de acompanhar seu raciocínio, a maneira como escreve, os exemplos que usa. Geralmente tenho que ler e reler seguidas vezes trechos do livro, porque sofro uma dispersão que me deixa completamente ignorante em relação ao que acabei de ler. Mesmo nesse livro, que demorei talvez dois meses ou mais para ler. No entanto, depois que terminei a leitura, fiquei pensando eventualmente sobre o que está aqui. O livro serve como uma espécie de alerta para as atitudes que o cristão comete inadvertidamente e pensa estar seguindo sua fé à risca.
O que me fez pensar que o cristão não consegue ser cristão sozinho. Há diversas passagens na Bíblia onde isso aparece de diferentes formas, como, por exemplo, ao Jesus dizer que onde houver mais de um orando, Ele estará presente. Durante anos pensei que isso significava que o elo entre as pessoas fazia com que elas se aproximassem de Jesus. Isso é verdadeiro, em parte, mas há um sentido mais prático e que esclarece o ponto que levantei aqui: o cristão precisa seguir alguém na fé, precisa se espelhar em outras pessoas, porque se tentar seguir sozinho o caminho, cometerá atrocidades em nome da fé. Ora, isso é óbvio, afinal temos padres — no caso dos católicos — que devem justamente conduzir as pessoas nesse caminho. Mas é ainda mais do que isso. Não adianta muito frequentar a igreja do bairro e depois não ter uma pessoa que sirva de exemplo para sua conduta diária. Eis, em mais uma constatação óbvia, mas importante, porque o Evangelho deve ser transmitido por todos que acreditam nele, porque assim, se constituem como exemplos para os mais novos na fé.
Nada disso que estou dizendo é novidade, mas considero importante quando o descobrimos pessoalmente, na pele, em nossa própria vida. Posso dar um exemplo de minha própria conduta que me serviu como um (difícil) ensinamento. Eu via uma pessoa cometendo uma porção de erros, seguindo uma vida claramente equivocada. Eu estava no caminho da conversão (aliás, sempre estamos, esse caminho não tem fim), mas — e aqui aparece o erro, descrito à exaustão no livro — me considerava pronto e forte, capaz de enfrentar qualquer coisa. Pois me dispus a tentar converter essa pessoa, mirando o bem que isso lhe faria e como eu estava sendo um soldado nessa luta. Claro que as coisas terminaram mal, com muita briga, muito ressentimento (de parte a parte) e com a outra pessoa correndo exatamente para o polo oposto do que eu desejava. Hoje vive enfiada em misticismo de toda espécie, bebe, provavelmente usa drogas e sua vida é completamente promíscua. Note, faço uma descrição bem genérica, mudando algumas coisas, porque não quero correr o risco de que alguém possa apontar o dedo para essa pessoa, ainda por cima.
De minha parte, aprendi que uma das maiores tentações que caímos quando estamos tentando ser religiosos é tentar convencer as pessoas de que o nosso caminho é verdadeiro. O que podemos fazer por elas é orar, ser gentis e servir, na medida do possível. Assim, é nossa conduta e não nossas palavras que afetam a pessoa. Ela percebe que pode mudar e que não estamos fiscalizando sua vida. E nós fugimos do erro de só olhar o bem — as tais intenções das quais o inferno está cheio —, ignorando que até lá há um imenso e inexplorado caminho, que exige cuidado e atenção a cada pequeno trecho. Foi, sobretudo, uma lição sobre como é fácil se tornar orgulhoso e criar um método para atacar as pessoas que não seguem seu caminho. Ora, esse é o pecado preferido do diabo, o orgulho, o que dá origem a todos os outros e aquele que se comete com mais naturalidade. E mais: o orgulho faz com que nos apeguemos mais ainda ao pecado, com justificativas para nossa conduta, que imaginamos servir de atenuantes; ou, orgulho, ainda, de supor que nosso pecado e tão horrível e ofensivo que Deus não terá misericórdia de nós. As armadilhas são muitas... Não à toa, precisamos aprender a ser humildes como ovelhas, cientes de nossas fraquezas, de nossos desejos de grandeza e de como só seguindo aqueles mais fortes na fé é que podemos prosseguir. Por isso, o cristão precisa da comunidade, no sentido amplo, pois a vida religiosa é servir e influenciar uns aos outros, principalmente aqueles que ainda não se tornaram cristãos.