jordanaverissimo 14/02/2024
Não é bem um livro sobre as virgens
Poucas surpresas foram tão agradáveis como esse livro. Esperava um livro bom, recebi um clássico em potencial do nosso tempo. A narrativa se passa em um subúrbio norte-americano de classe média alta habitado por veteranos e sobreviventes da Segunda Guerra Mundial em meados dos anos 1970. A narrativa é uma forma inusitada (ao menos, para mim) de polifonia: o narrador-personagem não é uma pessoa específica, mas uma massa de personagens que argumenta tentar entender o que aconteceu com as irmãs Lisbon. Percebe-se que quem fala é um grupo de homens que teria a mesma faixa etária das meninas no ano dos suicídios, mas a história é retalhada por afirmações de diversos moradores da vizinhança. Os temas abordados vão desde o suicídio até o conflito de gerações, emancipação feminina, revolução sexual e a decadência do american way of life.
Em primeiro lugar, cabe endereçar o narrador. O autor retrata como "a vizinhança", isto é, os observadores que não têm acesso direto à intimidade dos observados, se vê como entitulado a fazer julgamentos e afirmações sobre a vida dos observados. Observados estes que, nesse caso, tratam-se da primeira geração de jovens após a liberação sexual em uma família católica. Tendo isso em vista, fica claro porque a mãe assume uma postura tão rígida e vigilante - não há precedente de como lidar com essas moças que não a clausura e a castidade. A resposta, no entanto, é extrema - a busca da liberdade leva Lux a se expor no telhado da própria casa. A clausura, no entanto, transforma essas moças em divindades (náiades, anjos etc., muito como fazia o romantismo). Essa divindade, por sua vez, é contraposta pela humanidade crua - absorventes, cicatrizes, dobras, cabelos embaraçados etc.
Os julgamentos continuam antes e depois das mortes e recaem sobre as moças e os pais. Esse pai não pode ter um cargo de professor, pois a própria filha havia se matado. A casa se torna um mausoléu, mas nenhum vizinho - embora todos estivessem limpando os próprios quintais - se dispõe a ajudar a limpar, porque teria que estabelecer contato com aqueles seres estranhos. Depois dos suicídios subsequentes, todos disseram que era algo esperado, não era surpreendente. Ao mesmo tempo, nenhuma medida é tomada. No dia da morte da última irmã, estavam todos na festa da debutante da vez, e a moça já era tratada como morta. São vizinhos que estão ali, mas não são bem companheiros e, mesmo assim, a era até o ano dos suicídios era considerada a era dourada, o american way of life.
Muitos procuram entender o que levou as moças a se suicidarem, mas penso eu que o livro não é sobre isso, e sim sobre os vizinhos e como lidaram com temas tão sensíveis, em especial para a época. Hoje, nossa vizinhança se expandiu, e não diz respeito apenas a um bairro ou uma rua, já que o tempo todo damos pequenas amostras da nossa vida pata observadores virtuais.