soso.anami 01/06/2023
"ela era o ponto fixo do mundo em rotação"
Com aparência e conteúdo simples, “As Virgens Suicidas” rapidamente entrou para um cantinho especial no meu coração: a seção dos meus favoritos. Trata-se de um livro sensível, bem-escrito e impossível de parar de ler.
Narrado através de um coro semelhante ao das tragédias gregas, o ponto central da história são as virgens do título, mas que atendem também a alcunha de “irmãs Lisbon”. Assim como os narradores, aos poucos vamos nos obcecando pelas peculiaridades das vidas dessas garotas. No entanto, o que realmente prende nossa atenção são suas trágicas e precoces mortes.
Após o suicídio da caçula de apenas 13 anos, Cecília, as outras quatro irmãs – Lux, Mary, Bonnie e Thereza – repetem o mesmo ato (como que atreladas à uma maldição) em um período de um ano. A narração de suas histórias, como mencionei, se dá através dos olhos curiosos que as observavam de longe e, acima de tudo, ansiavam por compreendê-las.
Os pais das garotas são aprofundados no decorrer da trama, e eu achei genial o modo como ambos foram caracterizados. Não há como chegarmos a uma conclusão definitiva acerca do que motivou suas cinco filhas a cometerem suicídio. No entanto, a teoria de que seu lar era abusivo nunca é descartada. Gosto de pensar que as figuras paternas das Lisbon realmente as amavam e prezavam acima de tudo. Ainda assim, penso eu que tanto afeto acabou literalmente por sufoca-las.
O tema saúde mental é tratado com muita responsabilidade na obra. Como as garotas eram apenas adolescentes, o autor opta por trazer à tona questionamentos muito pertinentes acerca do que é ser uma mulher passando por grandes mudanças – físicas e mentais. A transição da infância para a idade adulta já é algo assustador e, sem o apoio ideal, torna-se ainda mais difícil. No caso das Lisbon, muito se é abordado sobre seus gostos, sexualidades, hobbies, sonhos e anseios. Tudo que as tornava humanas e o que as amedrontava.
O grande ‘xis’ da questão – e que tanto nós, leitores, quanto o coro de narradores jamais saberemos com certeza - é o que de fato levou as cinco irmãs a cometerem suicídio. As passagens escritas por Jeffrey que frisam este tópico são belíssimas, onde destaco:
“[…] seu suicídio era uma espécie de doença que contagiava quem estivesse por perto. […] A bactéria traiçoeira alojara-se na gelatinosa garganta das moças. De manhã, aftas macias haviam brotado sobre suas amígdalas. As garotas despertaram indolentes. Na janela, a luz do mundo parecia mais fraca. Inutilmente esfregavam os olhos. Sentiam-se pesadas, apáticas. Os objetos do cotidiano perderam o significado […] E saíamos com o cabelo molhado, na esperança de pegar gripe e partilhar seu delírio”.
A puberdade dos garotos também não é deixada de lado. Gostei muito da sutileza destacada pelo autor para tratar dos conceitos de masculinidade, e como diversos comportamentos atribuídos ao homem são nocivos para o seu desenvolvimento enquanto adolescentes. Meus trechos favoritos acerca deste tema tratavam de vaidade (“[...] Não estávamos atentos à beleza que pudesse surgir entre nós, e acreditávamos que pouco valia”), sexualidade, masculinidade tóxica, empatia, sensibilidade e até homossexualidade.
O garoto popular e pegador da história – cujo papel representado na vida de uma das irmãs Lisbon é importantíssimo – é criado por um casal homossexual, com dois pais. Adorei como todas essas questões são tratadas naturalmente dentro do universo da história – afinal, são coisas naturais.
Outras discussões pertinentes que marcam presença no livro tratam de religião (e seu impacto na vida das pessoas, ainda mais correlacionado ao suicídio), liberdade religiosa, racismo e inclusão. Um dos pontos mais altos no livro de Eugenides, para mim, é em como não há preconceito em seu universo.
Eu simplesmente amei este livro. O autor se mostrou um às da escrita (algo que pude notar logo na primeira página). Apesar de curto, “As Virgens Suicidas” é uma obra intensa e cativa facilmente o leitor. A disposição dos capítulos é um tanto longa, mas funciona bem dentro da trama e da proposta da história.
Realmente adorei a composição, escrita, metáforas e a linguagem utilizada neste livro. Jeffrey possui tanta sutileza para tratar de um tema pesado como o suicídio que o torna semelhante ao rei Midas: o que ele escreve se transforma em ouro. Foram tantas as minhas passagens favoritas em sua obra que mal consigo enumerá-las. Conforme ia avançando na leitura, ia colando post-its em todas as frases e trechos que me marcavam – e quase fiquei sem adesivos.
Não há sequer um detalhe que me faça pensar que “As Virgens Suicidas” seja um livro ruim ou mal escrito. Eu amei o desenvolvimento, a singularidade e principalmente a escrita sensível do autor. Suas personagens – ainda que complexas – são relatáveis e pude me identificar com seus jeitos, pensamentos e até algumas atitudes. Os narradores são igualmente bem explorados, ainda que pouco saibamos sobre suas figuras.
As irmãs Lisbon, tratadas como um único ser em várias passagens do livro, são um símbolo de coragem (ou até mesmo covardia, para alguns) e simplesmente amei me envolver nas linhas de suas histórias – tão tristemente encurtadas.
Recomendo muito o livro.