Tete 21/08/2023Um depósito desumanoQuem me conhece sabe o quanto eu procuro ler livros sobre a Segunda Guerra e foi o título que me chamou a atenção. Mas fiquei impactada, pois, diferente da guerra, essa atrocidade aconteceu por anos a fio, quase 80 anos de descaso com mais de 60 mil seres humanos.
Após ler o livro, também assisti os documentários:
- Em nome da Razão (1979), de Helvécio Ratton. https://www.youtube.com/watch?v=cvjyjwI4G9c
- Documentário Holocausto Brasileiro (2016), Armando Mendz, Daniela Arbex. https://www.youtube.com/watch?v=5eAjshaa-do&t=160s
- Livros 63: Holocausto Brasileiro - Entrevista com Daniela Arbex (2013), UNIVESP. https://www.youtube.com/watch?v=FHUTKRpU0bg&t=0s
O trem da loucura foi comparada aos trens que levavam aos campos de concentração, mas a diferença é que os trens da Alemanha não duraram tanto tempo como os de Barbacena. Os trens da loucura levavam várias pessoas, doentes ou não, para o Colônia. O Holocausto Brasileiro é uma parte da história que não deve ser esquecida, mas foi necessário uma jornalista para trazer a tona essa história, há muito deixada as traças, assim como seus milhares de "pacientes".
O livro conta as histórias dos sobreviventes, tecendo, em conjunto, a história do próprio hospital. São histórias comoventes, que, em vários momentos, me fizeram chorar em público. Pessoas que foram internadas por serem tímidas, ou agitadas demais, alcoólatras, que perderam documentos, ou ainda que sofreram abusos sexuais, ou até mesmo foram internadas porque seus maridos não as queriam mais. É um misto de revolta e tristeza pela vida daqueles que foram, por anos a fio, tratados como escória.
A combinação do livros e dos documentários nos traz um choque que não há palavras para explicar, só podemos manter o silêncio, um silêncio dolorido e ensurdecedor. São vidas perdidas pelo descaso do Governo, da Medicina e da Sociedade. Pessoas que viram as denúncias no maior jornal do Brasil, O Cruzeiro, mas que em pouco tempo foi esquecido. Pessoas que conviviam com o Manicômio, mas que achavam aquilo "normal". Funcionários que, ou por medo, ou por necessidade, preferiam se calar. O descaso de todos foi a ruina de muitos.
Foi uma leitura difícil. Foi difícil assistir os documentários. É impossível ler e ouvir as histórias sem se emocionar. Isso tudo só mostra o quão necessários registrar esses momentos para que a história não seja esquecida, não seja apagada e, o mais importante, não seja repetida.
Cantiga que Sueli Rezende, paciente do Colônia, canta no documentário Em Nome da Razão.
"Ô seu Manoel, tenha compaixão
Tira nós tudo desta prisão
Estamos todos de azulão
Lavando o pátio de pé no chão
Lá vem a boia do pessoal
Arroz cru e feijão sem sal
E mais atrás vem o macarrão
Parece cola de colar balão
Depois vem a sobremesa
Banana podre em cima da mesa
E logo atrás vêm as funcionárias
Que são as putas mais ordinárias"
(REZENDE, Sueli . 2013 p. 126).