Carous 02/09/2018Tão ruim que chega a doerTalvez eu devesse esperar a raiva passar por ter sido tão TROUXA de ler este livro. Talvez eu nem deva me dar ao trabalho de perder mais tempo com a resenha. Talvez...
Uau! Este livro atingiu níveis de decepções nunca antes alcançados por nenhum livro e olha que eu nem criei expectativas pra ele. Eu relutei em lê-lo porque ele me parecia tão deprimente e nunca parecia haver momento na minha vida para algo assim. Eu me preparei para chorar do início ao fim (cheguei até a pegar uma caixa de lenços), mas nunca imaginei que sentiria tanto RANÇO de Lucy e Mickey.
A forma de escrita de KA Hancock é boa e esse é o único elogio que este livro vai ganhar. Vi que algumas pessoas consideraram a história maçante, bom, a maneira primorosa com que a escritora emendava um parágrafo no outro me cativou. Mas os personagens centrais foram o que me fizeram desligar da história.
A coisa começou a degringolar quando KA Hancock optou por mostrar como Lucy e Mickey se conheceram. À medida que a história deles se desenrolava, eu percebia o quão errado era o relacionamento deles.
Mickey tem uma doença mental grave cujo controle sobre si e quando terá sua piores crises ele não tem. Uma doença que seus descendentes podem ter. Lucy também tem uma doença devastadora que sempre foi um fardo para ela e suas irmãs. Por que, por que, por queeee alguém com esse histórico iria querer procriar?
Então um dos grandes problemas que tive com o livro foi não entender as razões que fizeram Lucy seguir adiante com a gravidez quando nos capítulos anteriores ela e Mickey disseram o quanto as doenças de suas famílias marcaram sua vida, foram um peso terrível em suas costas e guiam sua vida. É isso que é chamado de amor; condenar seu filho a viver com medo de ter câncer ou um dia surtar e ser diagnosticado com transtorno bipolar e viver tomando remédios, participando de terapias e entrando e saindo da ala psiquiátrica de um hospital?
Claro que a única personagem mais sensata da história que se posicionou contra a relação dos dois porque não estava emocionalmente envolvida e podia ver racionalmente que esse rolo não ia terminar bem, Priscilla, foi demonizada por Lucy, sua irmã, e sutilmente desenhada como uma vaca fria e cretina. Para pesar contra sua oposição ao casamento da irmã, óbvio que ela foi definida como uma mulher de forte temperamento casada com a carreira - de advogada, dá-lhe estereótipos - que lamentava que suas irmãs desperdiçado seus potenciais permanecendo na pequena cidade em que nasceram e se casaram com outro ser humano (embora, pra ser sincera, não veja razão para Lucy se ressentir tanto com Priss por isso; ela também se incomodava que a irmã tenha escolhido não se casar e sair da cidade. A meu ver, as duas estão quites no quesito não respeitar as decisões pessoais uma da outra). Enquanto Lily, a irmã do meio, ganhava a compreensão de Lucy por agir como uma foca aplaudindo todas as decisões da irmã sem tentar colocar juízo na cabeça dela. É sempre esse dinâmica em livros, né? A de gênio forte que diz verdades desagradáveis e por isso ninguém a ouve e a meiga conivente com tudo.
Claro que no fim das contas descobrimos que Priss só era do jeito que era porque no passado ela havia perdido um filho. Porque maternidade é o que move as mulheres cis do mundo (#straightpeoplearecrazy)
Este livro é um show de equívocos um atrás do outro que me fazia pensar: "Por que ninguém parou esta mulher? Ela obviamente não sabe o que faz" E um deles, não foi o pior, mas também não ajudou, foi introduzir as características físicas de Lucy e Mickey. Acho que para outros leitores faz diferença conhecer os traços físicos dos personagens porque dá a sensação de r e a l m e n t e conhecê-los, mas eu não precisava dessa informação. Oras, todos sabemos que Lucy e Mickey são brancos, cis, magros, héteros e com olhos claros. Ela com altura e peso exatos para encantar qualquer personagem masculino, com cabelos lisos e loiros ainda por cima; ele, com a altura e o peso perfeitos que o classifiquem como um homem másculo. Quando KA Hancock escreveu que ele tinha cabelos ondulados que caíram em harmonia em seu rosto eu não fiquei nem surpresa. JÁ VIMOS ISSO ANTES. Sabe onde? EM TODO LIVRO QUE EXISTE DO MUNDO!
E apesar de Lucy e Mickey atribuírem a paixão à primeira olhada à aura deles, ao cosmos, ao pressentimento de que ela/ele era diferente de todos os homens/mulheres, quiçá SERES HUMANOS que ela/ele conhecer, ou sei lá mais qual terceiro elemento, SABEMOS que foi a beleza (padrão) que os atraiu. Porque é o que acontece em todos os livros e eu, honestamente, estou cansada disso.
É engraçado como as histórias nunca giram em torno de homens com panças, calvos, que suam demais e são sem graça. As mulheres são sempre meigas, baixas. Nada de dentes tortos, corcunda; ninguém pode ser manco porque à pessoas normais e feias cabe apenas ler e ver na televisão e cinema as histórias de amor de pessoas belíssimas.
Se Mickey fosse careca e baixo Lucy nunca flertaria com ele e JAMAIS que ele ocuparia espaço sequer na sua mente. E se Lucy fosse cadeiruda e desengonçada duvido que Mickey memorizaria seu número de telefone (o que, aliás, foi bem sinistro)
Este livro me fez recordar a desagradável experiência que tive com A mulher do viajante do tempo. O que há com as pessoas em glamorizar relações de dependências e batizar de "amor que supera as barreiras"? A mídia vende essa palhaçada de amor romântico e a gente compra.
Lucy me pareceu aquelas pessoas viciadas em sofrer (com uma pitada de alguém que olha pro seu próprio umbigo e deseja que o mundo ao redor gire em torno de si) que sempre escolhem o caminho mais tortuoso porque chegaram a um ponto da estrada que não conseguem mais ser feliz.
Era de se imaginar que depois de ter uma infância e adolescências tristes ela desejaria ter a felicidade como sua melhor amiga, mas eu entendo pessoas que ficam nesse ciclo de pura dor e infelicidade.Mickey, quando não estava em surto quebrando a casa, fugindo, fazendo escândalo e não tomando os remédios que o manteriam estável, era um príncipe encantado de contos de fadas. Lucy jurava que este homem irrealisticamente gentil, cavalheiro, atencioso era o VERDADEIRO Mickey. Todos as faces e fases de Mic são o verdadeiro, ele, Lucy. Quer dizer, nenhum é já que ele é um personagem fictício.
E, nossa, o quanto a Lucy ressaltava para nós o quanto ele era um cara legal com as pessoas. Sim, até que se diga o contrário, você deve ser sempre legal com os outros, não faz mais que sua obrigação.
Apesar da orelha do livro dizer que KA Hancock é enfermeira com experiência na ala psiquiátrica, eu senti que ela romantizou o que ter transtorno bipolar e o que é cuidar de alguém com doença mental. Talvez o/a editor/a dela tenha feito ela modificar um pouco sobre o tratamento da doença, sei lá. Mas as pessoas que consegui que tinham prima e pais, respectivamente, com essa doença contam uma outra história. E afirmam que não há amor que os faça nunca os abandonar porque é muito difícil e chega um momento em que ou você abandona o barco ou quem precisa de tratamento é quem cuida do doente.
O dilema que o casal enfrentou pareceu tão bobo pra mim... Talvez seja porque meu país e cidade estão nas mãos de péssimos governantes que arruinaram tudo e hoje proliferou mendigos, camelôs, gente morando na rua, gente pedindo dinheiro na rua, crianças vendendo balas na esquina. Então não nascer não me parece um mau negócio. Nós somos uma raça que deu errado e vivemos um planeta falido.
E o melodrama... ainda mais nas últimas páginas. Ficou óbvio que o objetivo era fazer o leitor chorar tanto que criaria um pequena piscina de lágrimas ao seu redor. Drama, drama, drama sem fim.
Estou ciente de que sem esse drama todo não haveria história, mas achei a dosagem pra lá de exagerada. Preferia estar na turma da galera que chorou com livro e não daquela que pedia pros dois se perderem no mundo e não torrar mais minha paciência.
Eu nem vou entrar no quesito do tratamento médico excelente que Lucy e Mickey receberam porque a licença poética existe pra isso. Na prática, sabemos que esquizofrênicos, bipolares são diagnosticados de tudo até chegar ao correto. O mesmo acontece com pacientes de câncer. E o tratamento público não é dos melhores. O particular nem sempre cobre. E vivemos nesta triste situação.
Enfim, eis mais um livro que me fez comprovar que sou uma pessoa de bom coração porque não recomendo ao meu pior inimigo. Fazia tempo que eu não terminava de ler um livro e me livrava dele o mais depressa possível. Me senti infectada, suja com o livro. Não queria nem mais tocar e nem que ele tocasse em nada do que eu tocasse. E essa foi uma sensação que nunca experimentei antes como leitora.