@freitas.fff 18/06/2021
Poético, perturbador, lindo.
Apesar do pequeno volume, não se engane, é um livro denso, é preciso mastigar bem pra se alimentar com toda essa prosa poética de Valter Hugo Mãe.
É impossível ler apenas um de seus livros e se sentir satisfeito. Mesmo quando você não compreender todas as metáforas e figuras de linguagem, é apenas se deixar levar, como por uma brisa. Mãe educa o seu leitor, ensina outra forma de se ler, ver, pensar e sentir.
No livro o autor conta a história de uma menina de 12 anos chamada Halla, que vive a sua forma imaginativa o luto eterno pelo vazio que a morte de sua irmã gêmea, Sigridur, a deixou.
Vivendo uma realidade cruel, com as atrocidades de sua mãe, louca, pela perda da filha, Halla, a chamada por todos de a "irmã menos morta", a vê constantemente a se cortar com facas para que o terror do coração se sinta na carne, até que ela mesma torna-se alvo de suas insanidades, enquanto somente a poesia do pai tenta a salvar.
Estando sempre solitária, mesmo quando acompanhada, Halla dar-se as descobertas do crescimento através de suas dores. A primeira menstruação, um primeiro "quase nada de amor", o sexo, a violência, a ternura, as crenças espirituais e místicas, tudo sob a perspectiva infantil da menina. Conservando a sua escrita da forma mais poética e linda que o autor já tem consagrada, ele nos mostra cenas perturbadoras e desfechos inesperados, que só nos desce pela garganta porque antes ele nos encanta. O autor, ainda que fora do lugar de fala, apresenta o sentir de uma mulher de uma forma absolutamente visceral, realista e crítico, como se Mãe fosse o Chico Buarque da literatura. Ele entende a mulher.
Diversas passagens cheias de simbolismos e referências, como a menina a andar pelas montanhas com um espelho, pra mostrar a sua irmã o mundo do lado de cá, entre centenas de momentos tão lindos quanto podem, ainda que o cenário seja uma aldeia sob os fiordes da Islândia, o que tem de mais bonito esta entre-linhas e parágrafos da escrita de Mãe.
Tocante e surpresa gratíssima, vai mais um do autor para os meus favoritos. Advirto de que seja uma leitura com gatilhos, sensível pra o bem ou mal de quem está vivendo um luto. O centésimo livro que leio não poderia ser melhor. Recomendo, sem dúvidas alguma!