Annah12 02/03/2024
"O imprevisto improvisado e fatal me fascina."
Clarice Lispector criou por meio de Água Viva, um diálogo comovente e extasiante, pôs segredos a tona na leitura como se estivesse escrevendo em um diário, anotando seus pensamentos e fazendo deles, histórias de tempos presentes-futuros como num caleidoscópio.
O que a autora buscou transparecer, foi a materialidade por meio da abstração, onde a partir da criação de uma obra, surgissem inúmeras perguntas incapazes de serem respondidas apenas por palavras. Ela olhou além do que seus olhos eram capazes de ver, por isso, os diálogos são enraizados na realização de algo um tanto quanto inusitado e sensorial.
"Aliás, não quero morrer. Recuso-me contra "Deus". Vamos não morrer como desafio?"
"Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Como resposta, como insulto. Uma coisa eu garanto: nós não somos culpados."
Estamos diante de uma espontaneidade planejada, onde o acaso não controla a criação e sim participa dela, onde frases, fragmentos de memórias e temáticas metafóricas são postas como temas livres involuntariamente ao longo do livro.
O texto explicita tudo o que soa secreto, e Clarice, brilhantemente, criou algo como um expressionismo abstrato por meio de seus pensamentos noturnos.
"Entende-me: escrevo-te uma onomatopeia, convulsão da linguagem. Transmito-te não uma história mas apenas palavras que vivem do som."
A inteligência e o dom de Clarice Lispector para escrever, não pode ser descrito em palavras, ela passa do horizonte e torna inimaginável o simples fator da escrita.
Seu método de pensar e descrevê-lo, é inatingível, e você nem mesmo o precisa entender, ele foi feito para ser sentido.
Onde há um mundo totalmente abalado de caráter pessimista, há também pessoas como Clarice, que apesar de tudo, tornam acontecimentos normais, algo à margem da beatitude.
"Água Viva é um lindo poema em prosa, no qual se comemora a vida de tudo o que, intensamente, é. Sem receitas para decodificar o mundo enfeitiçado da incitante narrativa, o leitor toma consciência de que já não dispõe de modelos para ler, nem para entender Clarice Lispector."