rizzoka 05/04/2024
"Na minha noite idolatro o sentido secreto do mundo"
Literatura clarisseana é, por natureza, sensorial, neurótica e mentalmente turbilhonada, mas essa obra explora isso sem se poupar.
Desde a primeira página somos inseridos num monólogo lúcido onde Clarisse nitidamente tem um pé no mundo físico e outro num mundo "sensorial". A autora fala como se a morte se aproximasse, mas ela se recusasse a aceitar sua finitude. Tudo é mentalmente MUITO poderoso e misterioso. A narrativa aqui não tem história propriamente dita, mas sim algo similar a poesia.
Inicialmente, acreditamos que o livro é um diário mas, após algumas páginas fica nítido que é "algo além" (que nem mesmo a própria Clarisse sabe explicar).
Existe aqui uma escrita "experimental", como uma banda de Jazz: cada músico vai improvisando seu instrumento e tudo isso junto vira arte. No livro, existem vários pensamentos diferentes gritando simultaneamente, de modo que alcançamos a transcendência juntamente a Clarisse.
Entretanto, o que a autora articula tentando se expressar é de difícil compreensão. O que ela sente é tão intenso (e pude sentir isso também) que exteriorizar tudo acaba sendo muito caótico (isso é um elemento que eu amei no livro).
No meio disso tudo, Clarisse invoca a morte, sabendo que ela se aproxima, para, talvez, não confrontá-la, mas sim fortalecer sua existência (que ainda não terminou).
O livro é muito mais música do que novela; é um retrato falado de uma pintura abstrata. Em cada pincelada desse grande quadro, Clarisse não economiza a tinta de seus sentimentos mais profundos.
Melancolia, culpa e admiração pela vida são os principais companheiros em uma viagem em que somos uma água viva (um ser com forma física indefinida) boiando pelo oceano do pensamento. Ou então pode-se dizer que somos a própria água do mar, com momentos de calmaria, maré e tempestade. A água representa um elemento abstrato e interpretativo já que sua forma física é tão variada.
Clarisse escreveu uma obra enigmática e muitas vezes brinca com esse fato, como se zombasse do leitor de forma carinhosa ("pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta").
É uma leitura que você precisa estar no clima (é preciso sentir o "it"). Caso contrário, você vai ficar esperando uma história começar, franzindo a sobrancelha, e perder toda a mensagem que Clarisse transmite de forma que nunca antes li.