Dhiego Morais 18/07/2016As Mentiras de Locke Lamora“[...] — Qual é o problema com ele”?
— Se eu não conseguir vendê-lo para você, serei obrigado a cortar a garganta dele e jogá-lo na baía — respondeu o Aliciador. — E terei que fazer isso hoje à noite. [...]”
E assim somos apresentados a uma das mais interessantes e bem-criadas figuras da fantasia contemporânea. Em poucas páginas, porém adornadas do mais puro sarcasmo e ironias, Scott Lynch inicia a história de Locke Lamora, um garoto sem qualquer amadurecimento, franzino e abandonado pelos deuses; no entanto, cheio de um espírito de pura audácia, cinismo e perspicácia.
Em “As mentiras de Locke Lamora”, mergulhamos numa atmosfera cuja mescla entre o período renascentista e revolucionário das novas tecnologias é facilmente concebível, seja pela alquimia mirabolante de Lynch ou pelos ares naturalmente italianos. A sociedade é dividida entre a nobreza, os comerciantes e o povo comum, onde deste último, segue-se majoritariamente uma classe especial, subdividida em gangues, que estrela o romance de Lynch: os ladrões.
Apesar de o Duque Nicovante governar a cidade de Camorr, outras figuras exercem o seu poder em reinos próprios e consideravelmente intimistas. Enquanto o Capa Barsavi governa as gangues de ladrões, o Aranha mantém-se nas sombras, atento para o cumprimento da Paz Secreta entre ladrões e nobres.
Locke não tarda em demonstrar suas habilidades natas para o crime, e com a ajuda do Padre Correntes e seus “acólitos”, os gêmeos Calo e Galdo, se aperfeiçoam nas artes da manipulação, disfarce e das mentiras, na construção dos golpes perfeitos. Ainda que criativo e perspicaz, Locke arrecada inúmeros problemas até aprender a controlar o seu gênio difícil e a trabalhar em conjunto.
Estruturado entre capítulos no presente e interlúdios curtos, que narram fatos passados, Lynch constrói um romance épico, com cenários magníficos e sensações que extrapolam a todos os sentidos.
Quando Locke inicia o seu maior e mais lucrativo golpe, ao lado de sua gangue, um estranho problema ameaça cruzar o caminho dos Nobres Vigaristas e do Espinho de Camorr — uma figura lendária e digna dos mais extravagantes golpes: líderes de gangues, os garristas, estão sendo assassinados. A ação é atribuída a uma pessoa, cujo nome vem acompanhado de histórias sombrias e desafiadoras: o Rei Cinza, que desafia abertamente o poder de Capa Barsavi.
Em pouco tempo, Locke descobre que existem riscos para todos os crimes, e que basta o menor deslize para que tudo desmorone.
“— Algum dia, Locke Lamora, algum dia você vai fazer uma cagada tão gigantesca, tão ambiciosa, tão avassaladora, que o céu vai se ascender, as luas vão girar e os próprios deuses vão fazer chover cometas de tanta alegria. Só espero ainda estar por perto para assistir.”
Reviravoltas, golpes brilhantes, assassinatos, magia e alquimia e doses de humor e sarcasmos incomparáveis, aliado a personagens cinza e dignos da dúvida; isso e muito mais traz uma combinação intensa ao leitor mais ávido.