Pedro Bastos
05/06/2013A imprevisibilidade como ferramenta de leitura"Até o dia em que o cão morreu", primeiro romance do escritor Daniel Galera, trata da estória não tão original de um adulto jovem e de suas questões de vida. Trancafiado em um apartamento minimalista, o personagem é desprovido de qualquer vaidade ou desejos supérfluos. Vive com o que pode, e é isso aí - ou melhor, vive com o que consegue complementar com os trocados mensalmente oferecidos pelo seu pai. Quem vê de fora, sua relação com o mundo chega a beirar o medíocre, especialmente no tocante à namorada e ao seu animal de estimação. Objetivo, despudorado e introspectivo, o protagonista, no entanto, tem um lado psíquico bastante delicado, mas embrutecido por suas experiências e meios de vida.
A narrativa de "Até o dia em que o cão morreu" é conduzida pelo próprio personagem principal, que aglutina sua prosódia e diálogos durante todo o discurso, sem o indício de travessões ou qualquer outro sinal que revele a separação entre o pensamento e a fala. Esta técnica, norteada por Daniel Galera de forma admirável, propicia um sentido de continuidade de leitura que conduz o leitor a devorar as pouco mais de 90 páginas do romance em questão de horas - menos, até, dependendo da voracidade de quem lê.
A interação dos personagens é um aspecto interessante em "Até o dia em que o cão morreu" por tratar das relações afetivas sob um outro ponto de vista, diferentemente dos filmes românticos ou da visão "tradicional" do amor e do afeto. O sexo é compartilhado com o leitor sem muita cerimônia, aproximando-o da dinâmica em que o personagem está submetido, ora suja, ora complexa diante de tanta simplicidade.
"Até o dia em que o cão morreu" descumpre os padrões das narrativas clássicas pela sua esquematização e pelo seu conteúdo. É este um dos grandes trunfos do livro: dispor da imprevisibilidade como uma ferramenta de leitura.