Lucas 09/07/2020
Uma experiência, embora nem sempre surpreendente, é sempre uma experiência.
O Teste (The Testing) é o primeiro livro de uma trilogia antiutopica do mesmo nome, escrita pela estreante Joelle Charbonneau, uma musicista que se dedicava a lecionar canto e produzir peças teatrais até descobrir seu amor pela escrita nas aventuras de Malencia Vale, chamada de Cia para os íntimos (descobrimos que qualquer pessoa com quem a autora queira que o leitor tenha simpatia entra nessa classificação).
A história de Cia nos apresenta um país comandado pela Comunidade das Nações Unidas, que desenvolveu uma série de Testes no qual adolescentes prodígios tem a chance de participar e colaborar para a reconstrução de seu mundo devastado por uma Guerra de Sete Estágios (que o leitor pacientemente deverá aguardar ser explicado em algum momento do livro). Cia anseia participar do Teste, espelhada na conquista do pai que não somente participou, como foi um dos ganhadores, galgando o direito a frequentar uma faculdade na área agrária que posteriormente lhe levaria a residir na Colônia de Cinco Lagos, lar dos que viriam a ser seus cinco filhos, sendo Cia a única menina.
Uma vez selecionados para o Teste, os formandos não poderão se recusar a participar, já que a negativa ao convite é vista como traição, punível com morte (não vai fazer diferença para alguns, que vão morrer do mesmo jeito). Porém, antes que pudesse partir para Tosu City, a capital da nação, Cia é alertada por seu pai sobre perigos presentes nos testes, como envenenamento por colegas de classe ou provas que poderão tirar sua vida (embora as memórias do pai de Cia sobre o Teste tenham sido apagadas, ele lhe dá alertas um tanto detalhados).
Um dia após a formatura, Cia e outros três formandos de sua cidade são selecionados para o Teste: Malachi, Zandri e Tomas (acredite se quiser), o menino por qual Cia nutre certa paixão. Tomas é um garoto extrovertido e harmonioso, e é claro que está no mesmo grupo de Provas de Cia. Ele é apresentado na história de maneira sucinta para que não tenhamos dúvida de que ele será o par romântico da protagonista. E não se passam dez páginas para Cia e Tomas engajarem afetos românticos e íntimos que nunca tiveram antes, incluindo trilhas a dois e a revelação de todos os segredos da personagem (que o pai tanto a advertiu para que não fosse compartilhado com qualquer pessoa). Mesmo as advertências sobre ter cuidado em quem confiar no teste, Cia confia no primeiro que aparece.
A protagonista é favorecida de diversas maneiras durante os testes, seja pela sua perspicácia sobre-humana, sua educação caseira que envolvia aprender tudo sobre tudo ou por outros personagens com as quais ela cria laços rasos e que geram consequências de relacionamentos profundos. Exemplo disso é o monitor de viagem do grupo, um jovem comandante de Tosu City, que deveria ser imparcial quanto aos selecionados ao teste, mas logo cria uma afeição secreta por Cia, lhe dando reconhecimentos por suas habilidades e dicas silenciosas sobreas avaliações enfrentadas pela menina.
Há momentos de reais inspirações em que o leitor é agraciado com passagens fluídas e criativas sobre determinados aspectos do mundo de Cia, mas são passagens que não são desenvolvidas e provavelmente você nem se lembrará algumas páginas depois. O final do livro até tenta lhe presentear com um desfecho costurado, mas soa como um copo de água para lacunas que foram engolidas a seco durante toda a leitura.
Apesar de trazer temas comuns da literatura infanto-juvenil e juntar elementos do gênero, Charbonneau não inova ao desenvolvê-los, nos entregando “reviravoltas” que poderiam ser mais emocionantes se fossem melhor trabalhadas e um conto que pode gerar certa familiaridade e previsibilidade para leitores mais experientes. A dosagem um pouco exagerada de clichês, mistérios e prepotência durante a narrativa é somada a uma inteligência quase onisciente da protagonista, funcionando apenas para trazer as reflexões que você pode nunca ter tido se não teve contato com outras distopias.
É definitivamente um bom livro para amadores no gênero, bebendo em cheio de clássicos da literatura e entregando uma protagonista que precisa lidar com um governo perigoso e uma rede de avaliações questionáveis. O Teste desempenha um ótimo papel de prelúdio de mais de trezentas páginas de uma história que pode até ser boa, mas que só cativa leitores iniciantes.