Mah 30/04/2016
Um livro para delirar!
Que tal um livro que aborda temas dos mais inusitados aos mais escandalosos?
Delirium é uma coletânea que reúne sete contos e um poema, nos levando a histórias totalmente diversificadas e únicas. Pretendo comentar um pouco de cada, de modo objetivo e claro.
O primeiro conto se chama Doutor Sádico, que me fez lembrar o motivo para minha falta de entusiasmo por livros de terror. É um conto bastante ousado, pois explora as condições de uma mente doentia e perversa. A história se inicia com Klose tentando disfarçar os últimos acontecimentos que envolvem não somente sequestros de crianças, mas como de adultos também, para sua filhinha Elizabeth não temer o início das aulas. Após ele deixar Elizabeth na escola, vai à um bar, onde pode afundar suas preocupações em relação ao emprego perdido. Lá ele conhece Hans Mozart, um homem cuja a aparência e o comportamento sugerem civilidade, mas foi assim que entendi o verdadeiro significado da frase as aparências enganam. Hans Mozart é na verdade conhecido como Doutor Sádico, um monstro que não conhece limites na hora de brincar com suas vitimas.
"Pedofilia, assassinato, torturas sangrentas, estupros, canibalismo, necrofilia, zoofilia, coprofagia, e entre outras práticas absolutamente asquerosas...."
Logo Klose se vê acordando de um sono profundo (ele foi drogado), em um lugar que sou incapaz de descrever.
"Para descrever o interior daquela casa, palavras não passam de vento. [...] Corpos mutilados, instrumentos de tortura e toneladas de podridão compunham um indesejado panorama aos olhos do sensível cristão."
Doutor Sádico usa fraseologia de vários filósofos para explicar o fato de ter aceitado a própria condição humana, como o Conde de Lautréamont, Marquês de Sade, Stephen King, Hitler, Nietzsche, e etc. A história se desenrola de modo imprevisível, e com um fim inédito. Tudo que eu mais queria durante a leitura era terminá-la, pois o que realmente me afligia era saber que o comparsa do Sádico estava indo buscar a filhinha do Klose na escola.
O segundo conto é bem mais tranquilo, comparado ao primeiro, apesar de também ter um desfecho impressionante. Truco nos apresenta a uma noite de jogos entre amigos próximos, mas que termina com tragédia nos levando a literatura fantástica e a um mistério envolvente.
Em Agoniado conhecemos Julio, um sujeito de vinte e oito anos, solteiro e que vive no centro da agitada São Paulo. Um cara aparentemente comum, mas que sofre de uma terrível ansiedade, beirando a loucura. O quarto conto se chama Telefone Sem Fio que conseguiu me deixar apreensiva e apavorada com o poder de uma fofoca avassaladora.
A Questão de Todas as Questões está entre os meus favoritos que abordou um dos assuntos mais comentados e polêmicos que existe até hoje, religião vs. ciência. O autor nos leva a conhecer o brilhante cirurgião oncológico Daniel, e sua prima (considerada uma irmã) Karen, que acaba de descobrir que possui um tumor no estômago.
Com o futuro incerto da prima, Daniel acaba refletindo mais profundamente sobre Deus, o universo, vida e morte. O médico passou a vida inteira, até este momento, em busca de respostas e uma religião que pudesse acreditar e seguir seus ensinamentos, submetendo-se até mesmo ao budismo por considerar mais uma filosofia de vida do que uma religião (só para abandonar essa filosofia logo após descobrir as origens da imagem do famoso Buda).
"Teísmo ou ateísmo? Crença ou descrença? Plano ou acaso?
Quanto mais ele pensava, mais confuso ficava."
Daniel chegou a debater sobre Deus com uma cristã convicta, Camilla. O debate entre eles foi um dos melhores diálogos que já tive a chance de ler. Eles conversam, no limite do possível, sobre as possibilidades de um mundo livre da religião, sobre as guerras santas serem a causa de milhares de mortes, mas também sobre a ética e a moral estabelecida há muito tempo pelos antigos.
"Estas tuas sugestões não me atingem, doutor! Camilla manteve a compostura. Dizer coisas como é incrível alguém acreditar numa cobra falante! a mim não representam nada, pois, se assim está escrito na Bíblia, assim acredito que foi. [...]"
Não posso deixar de concordar com Estevan Lutz, autor de O voo de Icarus, que escreveu o prefácio do livro Delirium, quando ele enfatiza que o conto chegou a um desfecho que oferece ao leitor a liberdade para tirar suas próprias conclusões.
O Outro Mundo de Henrique somos impelidos, pela imaginação do personagem Henrique, a um mundo totalmente fantasioso, para onde ele foge de sua entediante realidade. Nesta terra dos sonhos, Henrique pode ser qualquer coisa ou está em qualquer lugar que desejar, escolheu para aquele dia ser um guerreiro.
O poema Pouco Antes da Virada me surpreendeu muito por ter uma pegada melancolia e sonora super envolvente. Através das palavras ritmadas podemos compreender a proposta do narrador, que se vê diante da virada do ano, sem ter nem mesmo a certeza se verá o ano novo chegar.
"É ruindade desejar
Que sozinho eu não vá?
Sinceramente, não sei..."
Lindos Sonhos Dourados reforçou completamente a ideia de que drogas são o verdadeiro desastre na vida de uma pessoa. Conhecemos Guliver neste conto, um mauricinho que sempre viveu submisso ao pai, tendo que aturar suas injustiças, principalmente o que diz respeito aos negócios da família, encontrando uma espécie de conforto na música e ao sair de casa, sem rumo.
"-Escute meu conselho, truta, nunca entre nessa onda, ouviu? Nunca! Não seja burro de experimentar, como eu fui. [...]"
Delerium é um livro totalmente diferente de qualquer outro que eu já tenha lido, alguns dos seus contos são obscuros e insanos, nos convidando a mergulhar em mundos delirantes. Carlos Patricio ofereceu em seu livro uma proposta que mescla o real com o imaginário, fazendo seus leitores se desprenderem da realidade. É a primeira obra publicada do autor, e fico bastante orgulhosa de saber que o Carlos Patricio é um escritor nacional (um dos meus poucos favoritos).
A escrita usada no livro é fantástica e muito convidativa. Gostei também das frases de grandes pensadores que ele incluiu nos contos. Em relação a capa, vou ser sincera com vocês, não conseguiu me cativar nem um pouco, mas vou contar um segredo: as ilustrações internas são impressionantes! Muito lindas, juro. Foram feitas pelo Cassio Gois, e fiquei super tentada a colori-las. Elas estão entre as passagens de um conto para outro, essas artes estão em uma completa harmonia com o tema de cada história.
Recomento muito esse livro para os leitores que adoram contos, porém sugiro que estejam
preparados para esses mundos diversificados e dilacerantes que irão encontrar nestas páginas.