Adriana1090 12/01/2022
A festa da insignificância
"Quando um sujeito brilhante tenta seduzir uma mulher, ela acha que tem que entrar em competição. Também se sente obrigada a brilhar. A não se entregar sem resistência. Ao passo que a insignificância a libera. A liberta das precauções. Não exige nenhuma presença de espírito. A torna despreocupada e, portanto, mais acessível.
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Em sua direção vem uma moça, como se estivesse sozinha no mundo, sem olhar nem para a esquerda nem para a direita, indo direto em frente. Vocês se esbarram. Eis o momento da verdade. Quem vai insultar o outro, e quem vai se desculpar? É uma situação-modelo: na realidade, cada um dos dois é ao mesmo tempo o que sofreu o esbarrão e o que esbarrou. E, no entanto, há os que se consideram, imediatamente, espontaneamente, os que esbarraram, portanto culpados. E há os outros, que se veem sempre, imediatamente, espontaneamente, como os que sofreram o esbarrão, portanto no seu direito de acusar o outro e de fazer com que este seja punido.
Quem se desculpa se declara culpado. E se você se declara culpado, encoraja o outro a continuar te injuriando, te denunciando, publicamente, até sua morte. São as consequências fatais do primeiro pedido de desculpas.
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Para você, o modelo da mulher sem umbigo é um anjo. Para mim, é Eva, a primeira mulher. Ela não nasceu de um ventre, mas de um capricho, um capricho do Criador. Foi de sua vulva, a vulva de uma mulher sem umbigo, que saiu o primeiro cordão umbilical. Se eu for acreditar na Bíblia, saíram dela ainda outros cordões, um pequeno homem ou uma pequena mulher ligados um ao outro. Os corpos dos homens ficavam sem continuação, completamente inúteis, enquanto do sexo de cada mulher saía outro cordão, tendo na ponta outra mulher ou outro homem, e tudo isso, repetido milhões e milhões de vezes, se transformou numa imensa árvore, uma árvore formada por uma infinidade de corpos, uma árvore cuja ramagem toca o céu. E imagine você que essa árvore gigantesca fica enraizada na vulva de uma única pequena mulher, da primeira mulher, da pobre Eva sem umbigo. ?Eu, quando fiquei grávida, me via como uma parte dessa árvore, suspensa num de seus cordões, e você, ainda não nascido, eu te imaginava pairando no vazio, preso ao cordão saído do meu corpo, e desde esse momento eu sonhei com o assassino que, lá embaixo, degola a mulher sem umbigo, imaginei seu corpo que agoniza, morre, se decompõe, de tal modo que toda essa imensa árvore que brotou dela, ficando de repente sem raízes, sem base, começa a cair, eu vi a infinidade de seus ramos cair como uma chuva gigante e, me entenda bem, não foi com o fim da história humana que eu sonhei, com a abolição do futuro, não, não, o que eu desejei foi o total desaparecimento dos homens com seu futuro e seu passado, com seu começo e seu fim, com toda a duração de sua existência, com toda a sua memória, com Nero e Napoleão, com Buda e Jesus, desejei o aniquilamento total da árvore enraizada no pequeno ventre sem umbigo de uma primeira mulher tola que não sabia o que fazia nem os horrores que iria nos custar seu miserável coito, que certamente não lhe dera o menor prazer...
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? Todo mundo fala sem parar sobre os direitos humanos. Que piada! Tua existência não se fundamenta em nenhum direito. Nem mesmo acabar com sua vida por sua própria vontade eles te permitem, esses cavaleiros dos direitos humanos."