Vanessa - @livrices 24/10/2019Tente decifrar a insignificância. Tive uma relação bem curiosa com esse livro. O vi pela primeira vez na biblioteca de São Carlos, me interessei pela beleza da edição (quem nunca?) e abri em uma página aleatória. Cai na passagem em que um dos personagens conta uma anedota atribuída a Stalin, sobre as 24 perdizes. Fiquei intrigada, mas estava com pressa, e passou. Recentemente, o vi novamente na biblioteca municipal daqui. Teria passado batido mais uma vez, não fosse a boa e velha folheada: me depararei com um livro todinho rabiscado pelo antigo dono. Pronto. Um papel que conversou tanto com seu leitor não pode ser desinteressante (para o bem ou para o mal). Então, claro, trouxe pra casa, e, realmente... o livro é surpreendente!
Pra começar, já confesso que com certeza não compreendi a totalidade da obra. Aliás, se alguém entendeu, meus sinceros PARABÉNS (cê é foda mesmo!).
O autor apresenta quatro amigos, personagens principais, cujas histórias vão e voltam entre lembranças marcantes da infância e episódios atuais. São capítulos curtos, com algumas ligações entre si, mas sem tanta linearidade. Na verdade, os personagens aqui pouco importam, tanto é que só sabemos os respectivos nomes e outras coisas sem importância. Os amigos são meras representações metafóricas do que o autor pretende abordar.
Kundera, que foi expulso do partido comunista por duas vezes, na Rússia revolucionária, se exilou na França, e lá permanece até hoje. Nessa linha, A festa da insignificância tem um forte viés crítico ao regime stalinista, pontuando sempre a limitação não só da liberdade, mas, principalmente, da espontaneidade do povo (exemplificada, no livro, pela perda da capacidade de compreender piadas e lidar com o humor).
Descrevendo situações e acontecimentos aparentemente simples, o autor, já com seus oitenta e poucos anos, por meio de metáforas (muitas delas ainda indecifráveis para mim), aborda também temas como a falta de sentido nos comportamentos dos jovens atuais, na busca de preencherem todo o seu tempo com futilidades e, ao mesmo tempo, apresentarem um descaso com a história e memória de seu país e do mundo. Em outros momentos, desmascara a vaidade e a ilusão a ela inerente, alfinetando a duvidosa solidariedade que demonstramos diante daqueles que sofrem e, por outro lado, a instrumentalização do falso sofrimento por aqueles que, porque felizes, não são aceitos. A desgraça sempre encontra amigos a lhe amparar, mas a alegria genuína raramente é suportada pelos outros.
Entrelaçando umbigos, Kant, Hegel, Eva, individualismo, inveja, esperança, orgulho, culpa, angústia, erotismo, nacionalismo, vinhos e abortos simbolizando utopias e ~desculpâncias~ (só lendo para entender!), o autor coloca em xeque a essência do ser humano, que, seja ela qual for, é insignificante.
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