Isabela 07/10/2020
"Olhei para ela e senti-me perturbado, numa grande excitação. Desejei colocá-la no meu conto, ou noutra parte qualquer, mas a moça se sentou num lugar de onde podia acompanhar o movimento da rua e da entrada do café. Compreendi que estava à espera de alguém. Por isso, continuei a escrever." (p. 20)
"Eu sempre trabalhava até que tivesse alguma coisa acabada e parava quando sabia o que ia acontecer depois. Desse modo podia ter a certeza de continuar no dia seguinte. Mas, às vezes, quando iniciava um novo conto e não achava jeito de continuá-lo, sentava-me junto ao fogo, espremia nas chamas as cascas das pequenas laranjas-cravo e espiava as fagulhas azuis que se desprendiam. Levantava-me, punha-me a contemplar os telhados de Paris e pensava: Não se aborreça. Você sempre escreveu antes e vai escrever agora. Tudo o que tem a fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que puder." (p. 26)
"Escrever todos os dias tornava-a feliz, mas, à medida que eu a ia conhecendo melhor, descobri que para ela conservar-se feliz era necessário que aquela produção constante, variável em função de sua energia, fosse publicada e ela recebesse aplausos." (p. 32)
"- Você devia ler somente o que é verdadeiramente bom ou o que é francamente mau." (p. 40)
"- Voltaremos então para casa, comeremos aqui mesmo, teremos um jantarzinho delicioso, beberemos o Beaune da cooperativa que podemos ver daqui da janela, com o preço indicado na vitrina. Depois leremos um pouco e, mais tarde, iremos para a cama fazer um amorzinho gostoso.
- E nunca amaremos a qualquer pessoa tanto quanto amamos um ao outro.
- Não. Nunca." (p. 52)
"Com tantas árvores na cidade podia-se ver a primavera chegando dia a dia, até que uma noite de vento quente a traria de repente na manhã seguinte. Pesadas chuvas frias poderiam retardá-la às vezes, e temíamos que nunca mais chegasse, fazendo-nos perder, assim, uma estação em nossa vida. Esse era o único tempo realmente triste em Paris porque era fora do natural. A gente já espera ficar triste no outono. Uma parte da gente morre a cada ano, quando as folhas caem das árvores e seus galhos ficam nus, batidos pelo vento e pela luz fria, invernal. Mas sabíamos que haveria sempre outra primavera, assim como sabíamos que o rio fluiria de novo depois de ter estado congelado. Quando as chuvas frias continuavam durante longo tempo e acabavam matando a primavera, era como se um jovem tivesse morrido à toa." (p. 59-60)
"Se você não se alimentasse bem em Paris, tinha sempre uma fome mortal, pois todas as padarias exibiam coisas maravilhosas em suas vitrinas, e muitas pessoas comiam ao ar livre, em mesas na calçada, de modo que por toda parte se via comida ou se sentia seu cheiro. Se você abandonou o jornalismo e ninguém nos Estados Unidos se interessa em publicar o que está escrevendo, se é obrigado a mentir em casa, explicando que já almoçara com alguém, o melhor que tem a fazer é passear nos jardins do Luxembourg, onde não se via nem se cheirava comida, desde a Place de l'Observatoire até a Rue de Vaugirard. Poderá sempre entrar no Musée du Luxembourg, onde todos os quadros ficam mais vivos, mais claros e mais belos quando se está com a barriga vazia, roído de fome." (p. 85)
"Mas a verdade é que ele gostava de tudo o que seus amigos fizessem; a lealdade, porém, sendo um belo sentimento humano, pode levar a julgamentos críticos desastrosos." [sobre Ezra Pound] (p. 130)
"Dostoiévski era um merda, Hem - continuou Evan - Os melhores heróis de sua literatura são os santos e uns merdas como ele." (p. 163)
"Um dia ou dois depois de nossa volta, Scott trouxe-me seu livro. Tinha uma capa extravagante, que me embaraçou pela sua violência, pelo mau gosto e a vulgaridade. Seria a capa adequada para um mau livro de ficção científica. Scott pediu-me que não me deixasse assustar por ela; o desenho reproduzia um cartaz que vira numa estrada a caminho de Long Island, e era importante dentro do contexto do romance. Confessou-me, porém, que, se no início gostara dela, agora não a suportava. A primeira coisa que fiz, antes de ler o livro, foi arrancar-lhe a capa." [sobre O Grande Gatsby] (p. 209)