Fernanda Rebelato 16/09/2016
Sobre a romantização em excesso
Ao começar a leitura desse livro, pensei que seria algo totalmente do que realmente foi. Um livro que tinha tudo para ter um toque de ação excelente, mas como acontece às vezes, a escrita acabou focando num romance clichê que se desenvolveu do nada entre os protagonistas. E senhores, como detesto esse tipo de romance.
Sarai é uma jovem, vendida pela família a uma espécie de tráfico, vivendo em meio à escravidão, ao abuso e a violência sexual desde os 14 anos. A história tinha tudo para ser uma crítica sexual sobre as coisas que fingimos não ver, sobre mulheres que passam por isso quase diariamente, mas como já disse, a narrativa se perdeu em meio emoções supérfluas que não ajudaram a contribuir para o enredo.
A protagonista da história, Sarai ou Isabel como passa a ser chamada, vive nesse cárcere de drogas e prostituição, nos desertos do México, há nove anos. Javier é o responsável por tudo e está “apaixonado” por Sarai, o que a poupa de muitas situações. A ideia de liberdade já lhe parecia algo distante apesar dela nunca desistir, principalmente quando via os abusos que as outras garotas recebiam.
Sarai encontra uma oportunidade de fuga quando um americano surge para resolver algo com Javier. Victor é um assassino de aluguel, que está longe de ser o cara bonzinho e cheio de piedade que ajuda alguém. Ele é frio, calculista e fechado, faz o que lhe mandam, não importa o que seja. Mesmo sem querer ele se envolve na fuga de Sarai, e foi a partir daí que eu comecei a desgostar um pouco da história.
A partir desse ponto, o livro passa a girar entre a vida de Sarai e Victor, intercalando seus pontos de vistas entre a narrativa. A protagonista conseguiu sua fuga, mas por viver tanto tempo naquele lugar, ela não tem mais para onde ir ou outra pessoa que a ajude, sendo assim Victor é sua última esperança.
Os dois personagens iniciam uma fuga desenfreada contra os traficantes que estão atrás de Sarai. Ambos precisam sobreviver a isso e aos seus demônios particulares de um passado que ainda os assombra. Os personagens são fortes, vivem seus problemas pessoais e enfrentam tudo que lhes é imposto. Mas tudo se perde com a “romantização” do problema.
Desde o início, os dois parecem ter uma forte atração um pelo outro, o que particularmente não faz sentido nenhum para mim. Sarai passou por um grande trauma pessoal, ela foi abusada durante anos, mas parece confiar cegamente em um assassino e se apaixonar por ele. Para alguém que sofreu um trauma assim, com certeza ela não se envolveria tão facilmente com outra pessoa, portanto o romance não condiz com a realidade.
Já Victor, é o cara durão, que mataria qualquer pessoa que lhe criasse um problema sem se preocupar. Contudo, ele parece criar um vínculo de proteção com Sarai, como se os personagens se conhecessem há anos. Essa visão, proporcionou uma visão chata de que a personagem não precisava ter medo de nada (e não tinha) porque o “príncipe” estava ali para protegê-la.
A carga emocional e de vida dos personagens pareceram não ser o foco do livro, o que na minha opinião estragou a história. Talvez eu seja a chata que não gosta de romances, mas numa história como essa, cheia de problemas sociais, o romance não precisava estar incluído, a história se faria história sem ele.
E assim, surge a pergunta: Será que, atualmente, todos os livros precisam romantizar para serem lidos? Será que as histórias não conseguem se fazer boas, simplesmente pelo fato de conter um drama e uma realidade social? Ou por desenvolver outras características dos personagens sem o velho e chato clichê do casal que só sobreviverão juntos?
Para pessoas que nem eu, o romance, nesse caso, só se torna um meio que a autora/editora encontrou de vender o produto, por acharam que livros só serão livros com a pitadinha de amor. Às vezes, o romance não é necessário para a construção do livro.
Eu gostei da história, não tanto como esperava, mas não foi de todo ruim. Gostei bastante das partes de ação, do passado dos personagens e dos motivos que tiveram. As partes em que Sarai se desenvolve e cresce sozinha em sua história, consegue suas vinganças e chega a um estado de liberdade da alma, são excelentes. É uma pena, que a história não tenha se mantido só nesse sentido e se perdeu no romance clichê desnecessário.
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