Bea Oliveira 10/08/2017RESENHA: NUVENS DE KETCHUP, DE ANNABEL PITCHER | BEA OLIVEIRA."Eu fiz uma coisa errada. Não um pouquinho errada. Nem bastante errada. O que eu fiz foi horrível. E você quer saber o pior de tudo? Eu saí impune."
Há quase um ano, Zoe guarda um segredo terrível: um menino morreu, ela o matou. Todos pensam ter sido um acidente, por isso ela escapou impune, e não consegue falar com ninguém sobre isso, até o dia em que uma freira vai a sua escola, com a intenção de explicar sobre o Corredor da morte - local em que alguns prisioneiros condenados a pena de morte aguardam sua execução -, e em meio a palestra ela descobre que alguns prisioneiros do Corredor trocam correspondências, e assim ela escolhe um, que assim como ela matou alguém, alguém que amava, e diferente dela aceitou pagar pelo crime que cometeu. E assim, ela encara o desafio de colocar sua história em cartas e confessar tudo para um estranho que está prestes a morrer.
"Estamos no mesmo barco. Exatamente no mesmo barco. O senho matou alguém que deveria amar, e eu matei alguém que deveria amar, e nós dois entendemos a dor e o medo e a tristeza e a culpa e as centenas de outros sentimentos que não tem nome em nosso idioma."
Toda a narrativa se desenvolve em primeira pessoa, uma vez que o livro é contado pelas cartas escritas por Zoe para Stuart - o prisioneiro -, porém três histórias se desenvolvem ao mesmo tempo, sendo elas:
1 - O presente de Zoe, com ela escrevendo as cartas.
2 - O passado de Zoe, e a história sobre seu crime; e por fim:
3 - A história de Stuart, e o crime que ele cometeu.
Zoe - que não se chama realmente Zoe, mas o utiliza como um pseudônimo para corresponder-se - , é uma adolescente que mora com seus pais, que vivem em pé de guerra, tornando o convívio familiar difícil, e suas duas irmãs mais novas, Dot a caçula, que é deficiente auditiva, e Soph.
Toda a história de seu crime começa cerca de um ano antes, quando o avô de Zoe sofre um derrame, e a garota vai a uma festa. A partir dai Zoe se mete em uma enrascada amorosa, pois começa a sair com Max, mas seu coração bate mais forte por um garoto que conheceu nesta mesma festa. A questão é: quem ela deve escolher? E a questão que sobra para nós é: o que isso tem a ver com assassinato, prisão e culpa?
"Se quer saber minha opinião, ninguém pode riscar um ser humano do mapa, como se tivesse olhado dentro da alma dele e decidido que é mau, mau de verdade, sem nenhum pedacinho bom que valesse a pena salvar."
As introduções de suas cartas, narradas no presente, parecem ser uma tentativa de aproximação com a realidade que ela deveria estar vivendo: a prisão. Durante todo o tempo que escreve a ele, é como se ela pudesse compartilhar da pena dele; acompanhando seu sofrimento em uma cela, sozinho em algum lugar do Texas, enquanto ela escreve em um barracão, também sozinha, no meio da noite. É possível perceber a evolução dessa caminhada “rumo à morte” por todo o livro, até em seu desfecho.
Stuart matou sua amada e esta pagando por este crime, Zoe matou sue amado e esta livre e presa ao mesmo tempo.
"Essa é a parte mais difícil de todas - saber que ele está embaixo da terra. Com os olhos arregalados. Os olhos castanhos que eu conheço tão bem, encarando o mundo que não podem mais alcançar. A boca muito aberta, como se gritasse a verdade, mas ninguém pudesse ouvir. As vezes até vejo as unhas dele, sangrando e arrancadas, porque ele arranhava na tampa do caixão uma longa explicação do que aconteceu no dia 1º de maio, enterrado sete palmos abaixo da terra, de forma que ninguém jamais lerá.
Mas talvez as cartas ajudem, sr. Harris. Talvez, quanto mais e mais eu conte a história para o senhor, a história aos poucos desapareça do caixão, até sumir por completo."
Annabel Pitcher escreveu um livro com uma linguagem tão jovem, e com toques de suspense e mistério colocados de forma tão perfeita que me envolveu até o fim. E o que me conquisto logo de cara neste livro foi o titulo nada convencional. Sabe aquela frase "julgar um livro pela capa"? Eu julguei este pelo titulo.
"Dot misturava ketchup no purê, fazia bolotas com elas e as colocava ao redor do prato.
- Pare de brincar com a comida!- gesticulou minha mãe.
- São nuvens. - Dot sinalizou.
- Nuves não são vermelhas.
- Estão no nascer do sol."
Acredito que o maior mérito da autora foi ter contado uma historia tão palpável, que me senti lendo cartas reais, sobre coisas que realmente acontecera. Através das cartas de Zoe, pude perceber que a garota desabafava não apenas a culpa pelo que aconteceu, mas também toda a pressão sobre a qual vivia dentro de sua casa. Está foi a forma que ela encontrou para aliviar sua tensão, como se estivesse conversando uma melhor amiga, e é notável isso pelo tratamento que ela tem com o prisioneiro, chamando ele a principio de sr. Harris, e no decorrer apenas por Stu, mostrando o vinculo que é criado entre eles, mesmo que as cartas nunca tenham respostas (por medidas de segurança ela deu nome e endereço falso na carta), a ligação deles se mostra tão profunda que em dado momento vemos Zoe confortando Stuart, afirmando que ele merece uma segunda chande, fazendo de tudo ao seu alcance para mudar o destino dele.
"...Sentamos um ao lado do outro para ver o sol se pôr [...] e nós nos abraçamos embaixo das nuvens de Ketchup."
Vale a pena a leitura!
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